____________ 2. Contexto Político
Elza Rocha Pinto
Podemos dizer, junto com Sábato Magaldi (1962), que nos anos quarenta Nelson Rodrigues iniciou o teatro moderno:
A
lufada renovadora da dramaturgia contemporânea partiu de Vestido de Noiva - não se contesta mais. [1]
O
modernismo de 1922 só chegou o teatro com Nelson Rodrigues.[2] Esta opinião é
compartilhada por outros autores. “Modernidade significa ruptura e é como tal
que Nelson Rodrigues aparece na história de nosso teatro”.[3] Para realizar a localização do contexto da
peça, tomamos como eixo a análise do panorama literário no qual Nelson começou
a escrever seu teatro. Mas antes de mais nada achamos necessário apresentar
também contexto político que cercou a vida de Nelson até a década de quarenta.
Álbum de Família foi a terceira peça, escrita em
1946. Politicamente este é um período
complexo. O mundo estava atravessando a
Segunda Guerra Mundial. E o Brasil, que ainda não se envolvera, estava
dando seus primeiros passos na direção de uma industrialização cada vez mais
intensa. Este processo de urbanização trazia rápidas modificações para as
cidades. Nostálgico, Nelson Rodrigues comentaria em uma de suas crônicas: “E
passou o tempo. Saímos da Aldeia Campista para a Tijuca e desta para Copacabana.
Ah, Copacabana em 1923, 1924, era docemente residencial como o Botafogo de
Machado de Assis”. [4]
Seu
pai, já desde Recife, se envolvera com a política, elegendo-se inclusive
deputado em 1911. Quando vem para o Rio consegue entrar para o Correio da Manhã, como redator
parlamentar, o que significava cobrir o Congresso, não apenas dentro do Palácio
Monroe, onde ficava localizado o Senado, como também no cabaré Assyrio, frequentado pelos políticos,
diplomatas e banqueiros.
Durante
o processo da sucessão presidencial o candidato do poderoso senador Pinheiro
Machado era o Marechal Hermes da Fonseca. Contra ele surge, pela primeira vez
no Brasil, uma candidatura séria de oposição, a de Rui Barbosa. Este candidato
visita vários estados, realizando conferências, e agitando todo o país através
da imprensa. E torna-se o ídolo do pai de Nelson, Mário Rodrigues. Anos mais
tarde, num esforço juvenil de marcar sua identidade, Nelson Rodrigues vai ousar
criticar Rui Barbosa, em sua coluna em A
Manhã, de Mário Rodrigues. Foi o
suficiente para ser despachado novamente para as reportagens policiais.
Hermes venceu, pois era o candidato da
situação. Mas teve seu governo agitado por várias rebeliões: a Revolta das Chibatas, a da Ilha das
Cobras; o movimento salvacionista,
que depôs vários governos de Estado, com o objetivo de terminar com as
oligarquias; os bombardeios de Salvador[5] e Manaus. No Ceará
acontece a revolta de Canudos, e
pouco depois a campanha do Contestado.[6] Apesar de tudo ele consegue
chegar ao fim de seu governo e, na sucessão, restabelece-se a política do café-com-leite, com a eleição de
Wenceslau Brás.
Mário
Rodrigues já estava no Rio em 1915, quando Pinheiro Machado é assassinado. Elza
acabara de chegar trazendo os filhos. Nelson tinha 3 anos, mas certamente a
intensidade e dramaticidade dos acontecimentos marcaram sua memória de menino.[7] Porque este acontecimento
vai merecer, futuramente, uma crônica de Nelson Rodrigues. Em Era bonito ser histérica[8] ele comenta a morte e o
enterro do político, que se estampara nas manchetes emocionadas. “Ah, as
manchetes de hoje não se espantam, nem se desgrenham, nem reconhecem a
catástrofe”.[9]
Criado em clima pasquineiro, Nelson não podia mesmo se habituar à reforma dos
jornais.[10]
Nelson arremata a crônica dizendo que “com Pinheiro Machado, morria também o
fraque.[11] Ou seja, acabava-se toda
uma época.
Iniciava-se
um período de industrialização e grande exportação, incentivados pela Primeira
Guerra Mundial. Quando se inicia o governo de Epitácio Pessoa, Mário Rodrigues
já se encontrava mais seguro no Correio
da Manhã. Comungava com a mesma opinião de Edmundo Bittencourt,
proprietário do jornal, e adversário do presidente.[12] Os editoriais de Mário
eram duros. A política interna se agravava. O governo havia decretado a
intervenção federal, durante as eleições na Bahia, e fizeram também uma
intervenção não oficial durante as eleições em Pernambuco para garantir a
oligarquia de seus sobrinhos, os Pessoa de Queiroz.[13] Por tudo isto Mário
passou a criticá-lo duramente, usando termos como “tirano de maus fígados e
alma enoitecida”, “o Nero de Umbuzeiro”, “Mussolini de fancaria” . Em 1920
Mário acata um artigo de Humberto de Campos, que acusava Epitácio de ter
recebido suborno dos usineiros pernambucanos para reduzir as tarifas da
exportação do açúcar. Em outubro de 1921, durante a campanha para a
presidência, Mário Rodrigues provoca um grande conflito com o episódio das
“cartas falsas”. As cartas foram publicadas como sendo de Artur Bernardes, o
candidato oficial, e continham insultos ao Exército. Os militares ficaram
insatisfeitos. O governo fechou o Clube Militar e prendeu o Marechal Hermes,
seu presidente. Isto aumentou ainda mais o inconformismo das forças armadas. Em
sua defesa, e com o incentivo dos editoriais de Mário Rodrigues, através do Correio da Manhã, em julho de 1922,
ocorre o levante dos tenentes no Forte Copacabana. Este grupo de jovens oficiais resolveu
enfrentar as forças legais, num episódio que ficou conhecido como os Dezoito
do Forte, e que marcou o tenentismo.
Artur Bernardes assume num ambiente de nervosismo e
de forte oposição. Vai empregar o estado de sítio e a intervenção federal nos
Estados. É durante seu governo que acontece a Coluna Prestes.[14] Foi ainda neste período
que se fez a reforma da Constituição, através da qual foi fortalecida a
autoridade do Poder Executivo. Durante seu governo, Mário Rodrigues foi
processado por injúria, por um artigo escrito em 1923, onde comentava um
episódio acontecido em 1920, que envolvia um presente oferecido pelos usineiros
pernambucanos à esposa do então presidente Epitácio Pessoa. O artigo era
irônico, e tinha sido escrito por Humberto de Campos. Entretanto, Mário
Rodrigues, como chefe da redação,
assumiu sua responsabilidade. A isto se juntou um outro artigo de fundo,
este sim, escrito por Mário Rodrigues, intitulado Cinco de Julho, editorial que era uma celebração dos Dezoito do Forte. Isto foi considerado
um incitamento à revolta, principalmente porque saiu no dia em que estourou a
revolução militar, em S. Paulo, contra o governo de Artur Bernardes. Edmundo
Bittencourt, nesta ocasião, se ofereceu para sustentar Mário Rodrigues na Europa.
Mas ele preferiu ficar. E foi preso durante um ano no Quartel dos Barbonos, na
rua Evaristo da Veiga.
Na
sucessão de Artur Bernardes, o incentivo de Mário Rodrigues a um político
mineiro, Melo Viana, acaba resultando na
sua inclusão na chapa oficial, como vice-presidente de Washington Luis. Mário
Rodrigues passa a apoiar o governo, e com isto recebeu várias subvenções para
seu jornal. Tudo corria bem[15] até a quebra da bolsa no
Estados Unidos, fato que repercutiu no Brasil. Houve queda dos preços, queima
dos estoques de café, concordatas, falências e desemprego. A passagem para o
próximo governo acontece justamente neste momento da depressão. O presidente
Washington Luis apoiava Júlio Prestes. E a mesma coisa fez Mário Rodrigues. Mas
o governador de Minas vetou o nome de Júlio, formando, com o Rio Grande do Sul,
a Aliança Liberal, que lançou a
candidatura de Getúlio Vargas. Júlio Prestes, candidato oficial, venceu as
eleições. Mas os ânimos voltaram a se agitar por ocasião da instalação do Congresso, quando foi negado
reconhecimento a grande parte da bancada mineira. O assassinato do governador
da Paraíba, João Pessoa, apesar de não ter relação com a política nacional,
acabou por deflagrar a rebelião militar que levou Getúlio ao poder.
Durante
seus últimos anos, Mário Rodrigues vinha atacando intensamente os políticos
vitoriosos da revolução de 1930. Assim, pouco tempo depois de sua morte, em
conseqüência do assassinato de Roberto, o resultado será a destruição do
jornal, e o desemprego de seus filhos. Instalado no Palácio do Catete, e
dissolvido o Congresso Nacional, Getúlio Vargas começa a governar no meio de
grande entusiasmo popular. Criaram-se dois novos ministérios: Educação e
Trabalho, entregues a Francisco Campos e a Lindolfo Collor, a quem Mário
Rodrigues costumava qualificar de “um bestalhão”.
Em 1934
é promulgada a nova constituição do Brasil. Getulio Vargas é eleito por voto
indireto. Em outubro de 1937, o governo solicita ao Congresso a decretação do
estado de guerra, a pretexto do perigo de uma revolução comunista. Com isto é instaurado o Estado Novo. Getúlio
dissolve o Congresso, extingue os partidos políticos e faz uma nova Constituição.[16]
Na
verdade, a conjuntura internacional favorecia os regimes de direita. Na Europa
os governos totalitários estavam tomando conta de diversos países: Itália, Alemanha, Polônia, Japão, Portugal e
Espanha, onde a guerra civil vai instalar o fascismo franquista.
O período 1930 a 1937 foi difícil
para Nelson. Perdeu o pai, dois irmãos, passou fome, e contraiu tuberculose,
com a qual lutou sistematicamente. E tivera que assitir, impotente, a
absolvição da assassina de Roberto, em um julgamento que mobilizara a população
do Rio a favor dela. É com todo sentimento que Nelson escreverá mais tarde o
seguinte:
O
julgamento coincidiu com meu aniversário. Eu fazia, se não me engano, 18 anos
no dia 23 de agosto de 1930. Meses antes morrera meu pai: - pode-se dizer que a
mesma bala assassinara os dois. (...) Não assisti ao julgamento. Fiquei, em
casa, ouvindo pelo rádio. Eis a verdade: - a Opinião Pública achava que se
podia matar um dos filhos de Mário Rodrigues; não diretamente o próprio Mário
Rodrigues, mas um dos filhos e tanto podia ser Roberto como Mário, Mário como
Milton, Stella como Nelson ou, até, a recém-nascida Dulcinha (...) O júri fez o
que a Opinião Pública exigia. (...) Naquele momento, instalou-se em mim uma
certeza, para sempre: - A Opinião Pública é uma doente mental. [17]
Quando
se inicia a Segunda Guerra Mundial, o
Brasil de início declara sua neutralidade. Mas logo o desenrolar dos
acontecimentos forçam sua participação. Em janeiro de 42, o Brasil comunica
oficialmente ter rompido suas relações com o Eixo, e passa a colaborar
ostensivamente com os Estados Unidos, sofrendo represálias dos submarinos
nazistas, os quais começam a atacar nossa marinha mercante. Pressionado pela
opinião pública o Brasil entra em guerra com o III Reich, em agosto de 1942. É neste instante que Nelson, já casado com
Elza, começa a escrever para teatro
Com a vitória dos aliados e, portanto, dos
princípios da democracia, o governo anuncia eleições, e libera a liberdade de
imprensa. Dutra se elege presidente. Foi pouco combatido. Fez um governo calmo,
mas de caráter reacionário. Declarou a ilegalidade do Partido Comunista, cortou
relações diplomáticas com a União Soviética, estabelecidas desde o final da
Segunda Guerra Mundial. E deu início
à forte censura que vai perseguir Nelson
Rodrigues, por quase vinte anos.
3. Contexto Cultural
A nível
cultural a Semana de Arte Moderna
tinha trazido grandes esperanças de renovação, com a proposta de uma arte
enraizada na cultura brasileira. Para
ter a medida da importância de Nelson para o teatro, é preciso entender como
ele representa o movimento modernista,[18] que foi gestado durante
sua infância, no período entre 1910 a 1922.
Em fins
do século XIX, o romantismo, que dera
um contorno mais nítido à literatura,[19] colocando em relevo os
interesses brasileiros, temas e motivos locais, a própria linguagem, a paisagem
física e social, vai enfrentar uma forte reação anti-romântica. O movimento do positivismo invade a literatura trazendo
uma mentalidade mais objetiva, realista, positiva e científica. “A ficção
supera a fórmula romântica, encaminhando-se para a forma realista, seja na
maneira urbana, seja na regionalista, seja na naturalista”.[20]
O ponto de vista materialista
dominava o sistema de idéias, reforçado pela teoria da evolução do darwinismo, e pelo espírito de
observação defendido pelo positivismo,
pela crença nas leis da mecânica clássica, e nos determinismo biológico, psicológico e social. Deus estava morrendo,
e com esta morte morriam também os valores espirituais e sobrenaturais. Este
processo se estende lentamente até o início do século XX. Tanto que mais tarde,
através das memórias e lembranças que carregava de sua infância, Nelson vai
poder nos transmitir o colorido final que a Belle
Époque viveu aqui no Brasil. Ele escreve em 1967:
Minha infância foi
a época dos valores nítidos, sim, dos valores precisos. Céu era Céu. Deus era
Deus. O Diabo era o Diabo. Por outro lado, o céu era a evidência do
sobrenatural e, repito, por trás do azul residia o sobrenatural (...) Sabemos
que, em nosso tempo, a vida eterna perdeu a sua função e insisto: - é tão
inatural, tão obsoleta, tão fora de moda como o primeiro espartilho de Sarah
Bernhardt. [21]
Esta
concepção materialista do mundo, vai orientar a partir de 1870, um novo período
histórico e estético. Aparecem as correntes do realismo, do naturalismo
e do parnasianismo, na prosa e na
poesia. Qual seu estilo? “Tanto a prosa realista e naturalista, quanto a poesia
parnasiana, obedecem as mesmas regras de objetividade, exatidão, minúcia,
fidelidade ao fato, economia de linguagem e amor à forma”.[22] A ficção brasileira se
desenvolveu com o realismo, que procurava ser a cópia fiel da realidade,
retratando o ambiente e os personagens. O naturalismo, que só existiu na década
de 1880, era mais dependente da ideologia materialista do que o realismo. O parnasianismo,
se caracterizava “pela forma perfeita, classicizante, impassível, pelo
descritivismo, com economia de imagens, pela preferência do verso alexandrino,
da rima rica, dos gêneros fixos como soneto”.[23] Todos os três gêneros
nascem do mesmo clima filosófico-científico, realista e materialista.
Dentro
de um espírito romântico, e como reação contra o positivismo destes ideais e
normas estéticas, implantados pelo idéias materialistas, surge o movimento do simbolismo. Este movimento vai procurar
exaltar a subjetividade através de uma linguagem cheia de metáforas, “colorida,
exótica, sonora, rítmica”. Procuram opor a subjetividade
contra o objetivismo realista, e a interiorização contra a exteriorização, valorizando o indivíduo em contraposição ao social. Estas novas idéias vão surgir,
no Brasil, em fins do século XIX. O simbolismo passa a existir paralelamente
ao parnasianismo, embora numa posição marginal e sufocada por ele. O simbolismo
irradiou-se pelo país, mas suas principais figuras compunham o grupo da revista
Fon-Fon, no Rio de Janeiro.
Com a Semana de Arte Moderna, realizada em S.
Paulo, em 1922, surge o período modernista.
O modernismo pode ser compreendido através
de três fases. A fase heróica, de total ruptura, de revolução e derrubada da ordem
antiga. Eram usados “métodos violentos de escândalo, através do cabotinismo e
da piada, abrindo novos horizontes às pesquisas estéticas”,[24] onde predomina o
experimentalismo na poesia. Expressões desta época são Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Menotti
del Picchia, Manuel Bandeira, Guilherme
de Almeida, Raul Bopp, entre outros.
No
segundo momento, que vai de 1930 a 1945, ocorre uma fase de construção, onde
são recompostos os valores e a ordem estética. Procura-se no entanto uma nova
síntese, “ora pela inquietação filosófica e religiosa, ora pelo interesse
político”. Expressões desta segunda fase podem ser vistos em Carlos Drummond de
Andrade, Murilo Mendes, Vinicius de Morais, Augusto Frederico Schmidt, Jorge de
Lima, Joaquim Cardoso.
Com a
geração de 1945, começa a terceira fase, quando a poesia vai se submeter a um
novo rigor formal e disciplinar, através de João Cabral de Melo Neto, Lêdo Ivo,
Geir Campos, Moacyr Felix de Oliveira, Paulo Mendes Campos, Mário da Silva
Brito. E muitos outros.
O
movimento modernista provocou um grande impacto, alterando completamente “a
paisagem cultural e a mentalidade brasileira nas artes e nas letras” . E não se
limitou à esfera estética, envolvendo toda a cultura brasileira. Foi uma grande
influência renovadora. “Revolucionando os gêneros literários e a crítica,
aprimorou a consciência profissional, incorporando definitivamente a temática
brasileira.” [25]
Quanto
ao teatro brasileiro, como nos informou Edwaldo Cafezeiro,[26] ele se inicia com o padre
José de Anchieta, e tem objetivos religiosos. E foi se consolidar no século XX.
O teatro vai se tornar independente da missão religiosa, criando-se a comédia de costumes. Para isto colaboram
várias pessoas. A partir da consolidação da poesia lírica, vão surgir a prosa e
a crônica. Muitas das contribuições que o teatro vai receber partem destes
primeiros cronistas. Como Martins Pena, Artur Azevedo, França Júnior, Henrique
Pongetti, Pedro Bloch. Todos eles trabalhavam como jornalistas, escrevendo suas
crônicas diárias. Sabemos que as temáticas de Nelson não são originais. Afinal,
o teatro de Martins Pena também volta-se para o quadro do casamento, e da
família. França Júnior, por sua vez,
examina os temas da família, e da política. Até Artur Azevedo tem uma
peça em que o tema é a família tradicionalista, e onde ele aborda um assunto
delicado: o relacionamento entre uma mulher e um escravo. Com certeza todos
eles colaboraram para a criação do teatro brasileiro. Nem mesmo o assunto da
prostituição, tão freqüente em Nelson Rodrigues, chega a ser original. Pois Álvaro Moreira, em
Adão e Eva e outros membros da família,
aborda esta mesma questão.
Joracy
Camargo fazia, também, um estrondoso sucesso, com peças sobre a infidelidade,
outro dos temas favoritos de Nelson Rodrigues. A peça Deus lhe Pague chegara na marca de quase três mil representações
desde sua estréia em 1932. Isto num tempo em que o normal eram apenas duas
semanas em cartaz. Mas Nelson nunca considerou Joracy Camargo um bom autor.
Tanto que para valorizar o próprio talento, houve uma época em que ele negava o
seu conhecimento em matéria de teatro, e dizia, maldosamente, que a única peça
que lera, antes de escrever teatro, fora Maria
Cachucha. Ruy Castro, que também não parece considerá-lo um bom autor,
refere-se aos “dramas pseudoprofundos” de Joracy, comentando:
O toque
infalivelmente perverso de Nelson se revelava até na escolha da peça de Joracy.
Poderia ter citado a medíocre, mas famosa Deus
lhe pague. Mas não: preferiu a ainda mais reles Maria Cachucha - como se alguém pudesse escrever Vestido de Noiva tendo lido apenas
qualquer das duas. [27]
Portanto,
em 1942, a cena teatral já contava com autores de sucesso. Entretanto nenhum
destes autores conseguiu causar o impacto do teatro de Nelson Rodrigues. Não pode ter sido apenas em função do cabotinismo de Nelson, ou pelo fato de
Nelson ser homem da mídia. De fato, Nelson trabalhava nas
redações desde seus 13 anos de idade. Deveria conhecer praticamente todos os
jornalistas do Rio de Janeiro quando aos trinta anos, em 1942, começou a
escrever suas peças. E sempre foi um excelente divulgador de si mesmo, como
provam as inúmeras reportagens que ele assinava com pseudônimos,[28] ou com o próprio nome de
seus amigos, que não se importavam por serem os artigos muito bem escritos. Mas
tudo isto não basta para explicar a afirmação de sua dramaturgia. É preciso
mais do que isto para fazer uma obra sobreviver ao seu autor.
Silveira
Sampaio, por exemplo, também fez um
teatro de costumes. E tratou do assunto predileto de Nelson, o adultério. Em
1948 ele fez sucesso com a peça A
inconveniência de ser esposa. No ano seguinte, são montadas mais duas peças
suas, A garçonière de meu marido e Da necessidade de ser polígamo. Mas
nesta época, Nelson Rodrigues já funcionava como um parâmetro, no cenário
teatral. Tanto que ele ficou magoado quando a crítica começou a louvar Silveira
como uma “alternativa sadia para
Nelson Rodrigues”. Silveira, muito simpático e agradável, fazia de tudo em suas
peças. Além de autor era diretor e ator. Sem dúvida tinha um imenso público.
Mas sua “Trilogia do herói grotesco” não veio para ficar. O tempo provou isto. A
melhor coisa de suas sátiras, segundo Ruy Castro, parece ter sido sua própria
presença em cena.
Sem
negar a contribuição destes autores, não podemos deixar de reconhecer que o
palco brasileiro com freqüência vem se povoando com os personagens de Nelson.[29] E achamos que podemos
afirmar, sem incorrer em grandes erros, que Nelson Rodrigues é, ainda hoje, o
seu maior autor.
Muitas
outras pessoas vieram a dar sua contribuição para o estabelecimento de nosso
teatro moderno. Além dos autores, pessoas com outras especificações, como
Renato Viana, Zbigniew Ziembinski, Dulcina de Morais; grupos de teatro como o Teatro do Estudante, de Pascoal Carlos
Magno, Os Comediantes, o Teatro Brasileiro de Comédias, em S.
Paulo, o Teatro Experimental do Negro,
a Escola de Arte Dramática da Bahia.[30]
Sem
esquecer, é claro, da classe teatral como um todo que, em sua abnegação e amor
à cena, conseguiu passar por cima de inúmeros preconceitos. Os atores e atrizes
eram muito mal vistos antigamente. Para todos os efeitos, do início do século
até 1930, o palco ainda continuava sendo um lugar para marginais. Luis Carlos
Maciel faz uma análise da passagem do teatro antigo para o teatro moderno, em Quem é Quem no Teatro Brasileiro, onde
ele define as características da classe teatral em duas épocas bem distintas. O
marco divisório estaria na entrada em cena da alta burguesia, através do TBC e de Os Comediantes. Até então, os artistas eram vistos como párias da
sociedade, parasitas que em nada contribuíam para o processo da produção. Os
homens considerados aventureiros e
vigaristas, enquanto as mulheres eram tidas como prostitutas.[31] Economicamente eram vistos como
um peso morto.[32]
As companhias teatrais não existiam como empresas contínuas. Eram comuns os
grupos mambembes que excursionavam
pelo interior do Brasil. Os atores não tinham muita cultura. Para esconder este
fato alguns chegavam a simular um sotaque português para insinuar que teriam
estudado em Coimbra. Por volta de 1920, a influência de Oduvaldo Vianna faz com
que a prosódia portuguesa comece a ser abandonada, abrasileirando-se o modo de
falar nos palcos. Por volta dos anos 30, o teatro ainda era cheio de
formalismos no palco. Conta-se o caso de um ator que foi vaiado em cena, certa
vez, porque num ímpeto de realismo, teria voltado as costas para a platéia,
para melhor interpretar seu papel.
As peças tinham em média duas
semanas de duração. O teatro não apresentava nenhum tipo de compromisso com a estética, ou com a cultura. Os cenários pouco mudavam; devido a esta alta
rotatividade, eles reapareciam em várias peças. E os figurinos também eram os
mesmos. O diretor, apesar de ser chamado de “ensaiador”, basicamente só tinha a função de mudar os
móveis de lugar, para criar a ilusão da diferença. Os atores não precisavam
decorar os textos, pois havia os pontos.[33] Os atores principais nem ensaiavam.
Quanto à iluminação, vamos deixar o próprio Nelson falar:
Em
1943, o nosso teatro não era iluminado artísticamente. Pendurava-se, no palco,
uma lâmpada de sala de visitas ou de jantar. Só. E a luz fixa, imutável - e
burríssima - nada tinha a ver com os textos e os sonhos da carne e da alma.
(...) O nosso teatro era ainda Leopoldo Fróes. Sim, ainda usava o colete, as
polainas e o sotaque lisboeta de Leopoldo Fróes. [34]
Escrever
para teatro era um bom negócio, porque os autores das peças, naquela ocasião, recebiam
uma quantia fixa, equivalente a dezoito lugares por encenação, e não os
dez por cento pagos pela SBAT[35] hoje em dia. E isto tanto
com a casa cheia, como vazia. Além disto, cada peça era apresentada no mínimo
duas vezes por dia, ficando em cartaz de uma a duas semanas. Algumas peças de
sucesso tinham até três apresentações às quintas feiras, sábados e domingos.
Dominando
o cenário carioca, existiam três estrelas que empresariavam seu próprio
espetáculo, ganhando muito dinheiro. Procópio Ferreira, Jaime Costa e Dulcina
de Moraes, que em geral passavam a peça inteira intercalando cacos[36] como uma herança da Commedia
dell’Arte.[37] A platéia gostava, porque às vezes as
improvisações eram melhores do que o próprio texto. O público não se
interessava por peças sérias. Ia ao teatro para rir, ou com a própria peça, ou
com os erros involuntários que aconteciam na apresentação do espetáculo.
No
início dos anos 40, o panorama do teatro era rarefeito. Além da comédia de costumes, o teatro brasileiro
deu lugar ao desenvolvimento de uma forma particular, que escapava às normas
estabelecidas pela farsa, e também não se limitava à graça ingênua das
comédias. “Tratava-se das ‘chanchadas’, que absorvia as formas de excesso:
grotesco, erótico, obsceno”.[38] Para Ronaldo Lima Lins,
em seu livro O Teatro de Nelson
Rodrigues, Uma Realidade em Agonia, a chanchada
está para a comédia como o melodrama está para o drama. O autor da chanchada se
empenha em buscar o riso fácil da platéia. Para isto lança mão de qualquer
recurso. Sem maiores refinamentos, e sem sutilezas, o humor beira o grotesco, a
malícia faz fronteira com a pornografia, a graça se faz com o deboche.[39] O quadro do teatro
brasileiro, na década de 1940, oferecia comédias ingênuas ou chanchadas. Daí o
comentário feito por Manuel Bandeira, e que tanto agradou Nelson Rodrigues:
“Vestido de Noiva, em qualquer outro país, consagraria um autor. No Brasil, consagrará
o público”. [40]
Este
era o panorama da época em que Nelson começou a escrever para teatro. E que ele
vai ajudar a transformar. Não que ele tivesse esta finalidade como projeto. Seu
objetivo era poder aumentar a renda familiar, porque seu primeiro filho estava
para nascer. E, decerto, ele desejava se enquadrar no esquema existente. Tanto
que começou a escrever Mulher sem Pecado,
como uma chanchada, impressionado com as
filas de espectadores nas portas dos teatros da Cinelândia. Mas logo nas
primeiras páginas, os personagens conquistaram vida própria e o enredo ganhou independência.
Falando de Vestido de Noiva, Sábato Magaldi (1962) diz que sua linguagem veio
incorporar por fim “à dramaturgia
nacional os modernos padrões da ficção”.[41] Ronaldo Lima Lins
considera ainda, em seu livro, as observações de Antônio Cândido, para quem o
primitivismo e a agressividade eclodem no contexto literário nacional, a partir
das obras de Mário de Andrade (Macunaíma), e Oswald de Andrade (Serafim Ponte
Grande), “significando a quebra do equilíbrio machadiano e o advento de uma
certa forma de excesso, como o grotesco, o erótico, o obsceno, que antes só
apareciam de forma recalcada”.[42] A obra de Nelson
Rodrigues vai desenvolver e intensificar estas formas de excesso. A tradição da dramaturgia nacional exigia um
certo formalismo no texto, que devia ser organizado linearmente. Ao passo que
Nelson Rodrigues, já em sua segunda peça, aborda os fenômenos da memória, em
movimentos de fash-backs, além de
trazer, também, as fantásticas alucinações e delírios que desorganizam
cronologicamente a cena. A lógica é derrotada pelas imagens irreais da memória
e da imaginação. Podemos até afirmar que é com Nelson Rodrigues que o sujeito finalmente sobe aos palcos. Ou
seja, o texto rodrigueano inaugura um novo teatro, que finalmente se abre à
subjetividade dos personagens.
Nelson assim renova o conteúdo,
focalizando uma nova temática. Mas também renova a forma. Algumas dissertações,
originadas em mestrados de Literatura, enfatizam esta renovação da linguagem
trazida pelos textos de Nelson. Diz Eline Barros Murad, sobre a dramaturgia de
Nelson Rodrigues:
Renova
também a linguagem recortada por diálogos, gírias que se tecem como clichês,
grandiloqüência e pomposidades poéticas, usadas de modo grotesco, a fim de
parodiar o real. O texto se constrói por meio de frases reticentes,
telegráficas, indiciando a significação maior de perplexidade e incompletude do
homem, sua permanente busca de respostas e verdades, assim como a permanência
desta busca. [43]
Cláudia
Alcântara Chaves nos chama atenção para a adjetivação preciosa,[44] e para o uso do intruso,[45] recursos utilizados por
Nelson para imprimir maior dramaticidade a seu texto. Fala das máximas, tão mal
compreendidas por alguns.[46] Mas que na opinião desta
autora, mostrariam a parcialidade de Nelson, representando um elemento que
permite “que o sujeito se imponha ao objeto, que o artista se imponha ao
jornalista”.[47]
Lembra ainda que em suas crônicas, as estórias são contadas numa técnica
repetitiva: “Ele sempre considerou a repetição uma arma fundamental pois
percebeu que era uma forma de convencer seus leitores”.[48] Nas crônicas o compromisso de Nelson não se
deu com a exatidão e realidade dos fatos. Mas com “a alegoria, com a criação
das imagens que lhe permitiu a possibilidade de introduzir, tanto no jornal
como na TV, a possibilidade da realidade e ficção se incorporarem para
estabelecer uma nova visão do mundo”.[49] Para Sábato Magaldi,
...enquanto
os dramaturgos da geração anterior adotavam um diálogo artificial, com um
tratamento diverso da linguagem corrente, ele restringiu a expressão cênica a
uma absoluta economia de meios conseguindo de cada vocábulo uma ressonância
admirável. Tem-se a impressão, sob a aparente pobreza literária do diálogo
rodrigueano, que as palavras só poderiam ser as que se encontram ali, como uma
cadeia de notas exatas, as únicas capazes de obter o maior rendimento rítmico e
auditivo. [50]
De fato, Nelson vai usar a
linguagem corrente para seus personagens. O diálogo vai se livrar das
imposições e dos cânones da gramática tradicional. E com isto Nelson acaba
permitindo que, talvez pela primeira vez, os personagens, em nossos palcos,
falem brasileiro. Nelson Rodrigues
conta que certa vez, diante da pergunta se ele concordava com a crítica sobre
seus diálogos serem pobres, ele respondeu: “São. Só eu sei o trabalho que me dá
empobrecê-los”.[51]
Esta revolução na linguagem ele leva também para seu jornalismo:
A
fala não segue regras: nem de gramática, nem de encadeamento. Os erros de
sintaxe, e de tratamento se misturam a frases entrecortadas, exclamações,
perguntas não respondidas. A gíria, em uma primeira etapa, e mais tarde o
palavrão tornam-se símbolos dessa nova forma de empreender o texto dramático.
Os elementos trágicos estão presentes sem ser necessário colocar o homem da rua
falando como um deus.[52]
Talvez
levando em consideração estas apreciações Manuel Bandeira tenha defendido tanto
a linguagem de Nelson Rodrigues. Quando começou-se a dizer que aquela não era
uma linguagem para tragédias, Bandeira retrucou: “Mas o bom é justamente a
linguagem!”.[53]
A crítica de Bandeira estava se referindo à produção dramatúrgica da época, que
se caracterizava pela linguagem empolada e pelo tom artificial. Foi sua nova
linguagem, límpida, coloquial e vibrante, que abriu caminho para o moderno
teatro brasileiro.
Mas,
uma vez inventada a nova dramaturgia, era preciso encená-la.[54] E aqui surgia um problema.
Porque Nelson vai se deparar com a inexistência de um elenco para a montagem. A
primeira peça de Nelson já era a expressão de um teatro novo; por isto ele
precisaria de uma classe teatral também moderna, e de um diretor com visão. Sem
saber disto, no entanto, ele vai
oferecer a estrutura de um teatro moderno ao elenco do teatro antigo. Tentou a
montagem com Dulcina e Jaime Costa, porém eles não se interessaram. Não podia
dar certo. Estas estrelas tinham um público que queria rir, e a peça de Nelson
era um tremendo drama. Quanto a Procópio, um apaixonado de Joracy Camargo, ele
nem chegou a procurar.
Em seu artigo Luis Carlos Maciel
mostra como esta nova classe teatral, que poderia encenar o teatro rodrigueano,
ainda estava em formação. Quando este elenco aparece, logo entram em choque com
os valores tradicionais. Quem eram estes
novos atores? Eles vinham da alta burguesia, atrás do mito de um refinado status cultural, que achavam poder
atingir através da dignidade da arte.
Todos em busca de outras normas. Os novos atores, sendo pessoas finas e bem
educadas, iniciam o processo de desmarginalização da categoria teatral. Com uma
educação de classe média, guardavam um respeito pela arte e pela cultura. Por
isto inicialmente vão buscar a criação de um mundo estético, no palco.
Completamente diferente daquilo que existia até então. Com eles começa a surgir
o império do bom gosto e do bom teatro. Este é o perfil do que Maciel chama de geração TBC. Seu resultado foi
certamente a renovação do teatro. Porém esta reforma desembocou num teatro esteticista - “belo, lindo, mas aguado”. Sábato Magaldi (1962) aponta
para a importância do TBC, como fonte
geradora de profissionalismos, de talentosos atores, de diversas companhias.
Mas também reconhece a inexistência de ousadias. O TBC não investiu na dramaturgia nacional. Fundado em 1948, como uma
companhia profissional, a fórmula aplicada pela companhia era bem simples:
“textos consagrados e encenadores estrangeiros”.[55] Todos no TBC eram contratados, desde o diretor, aos atores, cenógrafos e
pessoal da técnica (maquinistas, contra-regras, eletricistas). A produção era
do italiano Franco Zampari.[56] Seu objetivo era um teatro clean, de “bom
gosto”.
O
objetivo era fazer um teatro de Primeiro Mundo, limpo, adulto, consciente, de
fórmulas testadas. Donde os autores
teriam sua chance, desde que fossem Sófocles, Jean-Paul Sartre ou Noël
Coward. [57]
Nelson
também não poderia contar com esta classe teatral. Era fina demais. Procuravam
o Belo. E ele seria o profeta brasileiro de um “teatro desagradável”. A prova é
que, quando em 1953 Ziembinski propôs que o TBC
montasse Senhora dos Afogados, o
projeto foi abandonado depois de duas semanas de leituras. A maior companhia de
teatro brasileiro nunca encenou Nelson Rodrigues.[58]
E, como
o próprio Nelson diria anos mais tarde, em O
Reacionário: “E ninguém perdoaria a
desfaçatez de uma tragédia sem linhagem
nobre”.[59] Por isto que, em 1954, Nelson reagindo ao
fato do TBC achar um suicídio montar
autores brasileiros, quis mostrar que isto era viável, propondo o projeto da Companhia Suicida do Teatro Brasileiro.[60]
Mas o elenco precursor da
renovação do teatro brasileiro, como Sábato Magaldi reconhece, não foi o TBC. Certamente que eles podem ter
desempenhado um papel divisor na cena brasileira, como disse Luis Carlos
Maciel. Afinal o TBC constituiu a
primeira grande companhia a se profissionalizar. No entanto, foi o grupo Os Comediantes que ofereceu os alicerces
para este novo elenco. Eles tinham, entre seus objetivos, a descoberta de
autores nacionais. E, afinal, esta era uma das propostas do modernismo. Sem falar que eles foram os
primeiros a vestir o Vestido de Noiva.
Sábato Magaldi ressalta a importância da figura de Ziembinski, para a
constituição do moderno teatro brasileiro:
Formado
na escola expressionista e dominando como poucos os segredos do palco, em que é
um mestre na iluminação, Ziembinski veio preencher um papel que se reclamava: o
de coordenador do espetáculo. Sob sua orientação entrosaram-se os vários
elementos da montagem. O ator de nome cedeu lugar à preocupação da equipe. Os
cenários e os figurinos, que antes eram descuidados e sem gosto artístico,
passaram a ser concebidos de acordo com as linhas da revolução modernista,
sobressaindo-se o nome do pintor Santa Roza, um dos mais cultos intelectuais do
teatro brasileiro. O conjunto harmonizava-se ao toque do diretor, que acentuou
o aspecto plástico das marcações e os efeitos da luz. De súbito, o palco
sentiu-se irmanado à poesia, ao romance, à pintura e à arquitetura brasileiros,
com os quais não mantinha contato.[61]
Os Comediantes vão desempenhar um importante
papel no teatro de Nelson Rodrigues. O
grupo era formado por jovens da classe média, alguns ricos outros com talento.
Ninguém dependia do teatro para sobreviver. Todos eram amadores, com exceção do
cenógrafo Santa Roza, que se envolvera com Os
Comediantes em 1938. O grupo tinha muitas idéias, e queria realizar grandes
mudanças. É com eles que se inicia a transformação das encenações. Em 1943
Ziembinski se junta aos Os Comediantes.
Ele vinha fugindo do nazismo, e tinha intenção de ir para os Estados Unidos.
Parou no Brasil por acaso. Apesar de ter
apenas 23 anos, já fora diretor do Teatro
Nacional de Varsóvia, e tinha boa experiência de direção. Ziembinski
preferia um bom original de autor brasileiro, para compor o repertório de Os Comediantes. Começou sua pesquisa,
assistindo todas as peças nacionais. Viu
A Mulher sem Pecado, e apesar de não gostar da montagem, gostou do autor.
Quando já estava se convencendo que “teatro no Brasil era um mar morto”,[62] Santa Roza e Brutus
Pedreira lhe mostram o Vestido de Noiva. Os
três se apaixonaram pela peça. Iriam
estrear em dezembro de 1943, no Teatro
Municipal.
Ensaiaram durante oito meses, em
média de oito horas por dia. Em qualquer lugar que conseguiam, porque o Municipal estava sempre ocupado: em suas
casas, no auditório do Botafogo, no Instituto Italiano. Falando sobre o
encenador, Sábato Magaldi, em Iniciação
ao Teatro, diz que até a Segunda Grande Guerra, o eixo teatral girava em
torno dele. O encenador era visto como o
portador de uma verdade:
Enfeixando em suas
mãos poder absoluto, que passou a exercer com despotismo, o encenador submeteu
ao seu arbítrio soberano a obra e o comediante. Cabia-lhe organizar a unidade
total do espetáculo, e a esse título os vários elementos da montagem precisavam
perder quaisquer arestas conflituosas, em benefício de sua concepção superior. [63]
Ziembinski parecia uma expressão
desta definição. Para começar ele exigiu que os atores decorassem a peça na
ponta da língua. Repassava inúmeras vezes uma determinada fala, até achar o tom
e a intenção certas. Isto nunca acontecera no teatro brasileiro, “um teatro em
que, não raro, os atores só eram apresentados aos personagens na hora de entrar
em cena”. Sua primeira exigência parecia um sacrilégio: a abolição do ponto. Ele não admitia faltas aos
ensaios. Tinha o “rigor de um bedel”. [64] Mas ninguém se atrasava para o
ensaio, que na verdade “eram aulas práticas de representação e direção”. O
grupo era amador,[65] e Ziembinski sabia disto.
Talvez por isto tenha exigido tanto “com uma severidade sádica”:
Parecia
um domador de circo, equipado com chicote, cadeira e bombacha imaginários.
Sabia a peça de cor, cada vírgula, cada inflexão. Apontava os erros sem abrir o
original, gritando: “Veja a página tal!”. Mandava voltar e fazer tudo de novo,
quantas vezes achasse necessário, e não admitia muxoxos. Era como se quisesse
levar o elenco à beira da exasperação.[66]
Nos últimos trinta dias o grupo começou a
ensaiar no Municipal, porém só de meia noite às oito da manhã. A estas alturas
Ziembinski já nem saía mais do teatro. Nem para comer. “O cenário de Santa Rosa
era montado e desmontado todas as madrugadas (...) Alguns atores e todos os
técnicos já o detestavam. Nunca estava contente com nada”.[67] Ziembinski pretendia
fazer uma iluminação complicada, e achava os recursos do Municipal
insuficientes. Mandou alugar equipamento extra, além de conseguir, na véspera
da estréia os refletores do Palácio Guanabara.
A seu respeito Nelson diria, anos depois:
Ziembinski
era o primeiro, entre nós, a iluminar poética e dramaticamente uma peça (...) O
cenário ou território cênico, como queria Ziembinski, estava dividido em três
planos - em cima, realidade; em baixo, memória e alucinação. Ah, o meu processo
- de ações simultâneas, em tempos diferentes - não tinha função no Brasil.[68]
Os seis
ensaios gerais envolveram toda a técnica do Municipal. No final do último, que
terminara às oito da manhã, todos estavam tensos. A estas alturas, Ziembinski
exigiu mais uma repassada geral, na parte da tarde. Foi a conta para a atriz
principal sair aos prantos, gritando que não voltava nunca mais. Mas voltou e a
peça foi um sucesso. As palmas não paravam, o público pedia a presença do autor.
Quatorze anos depois do assassinato de seu irmão, na mesma noite, 29 de
dezembro, mais uma nova vida começava para Nelson. Vestido de Noiva foi um marco importante para o Brasil, e para o
escritor. A crítica inteira elogiou. Nelson se transformou, de um dia para o
outro, num autor prestigiado. Isto até que ele escreveu Álbum de Família.
Aqui é
preciso abrir um rápido parêntese. A
revolução de 1930 colocara no poder os inimigos do Mário Rodrigues. Crítica, o combativo jornal dos
Rodrigues, fizera muitos inimigos. Diz Nelson: “Todo mundo tinha medo e ódio de
meu pai. E o ódio era amável, era risonho, era cínico por causa do medo.”[69] Quando a Revolução de 1930
estourou nas ruas do Rio, o jornal dos Rodrigues foi completamente destruído. A
família vai processar a União pelo fim
do jornal. Getúlio talvez tenha se sentido responsável pelo empastelamento da redação. O fato é que
nunca uma peça de Nelson Rodrigues foi censurada sob seu governo. Mas logo após
sua queda, bastou o presidente seguinte tomar posse, em janeiro de 1946, para
censurarem Álbum de Família.
A
censura foi feita durante os primeiros dias do governo do general Eurico Gaspar
Dutra. A proibição da peça foi uma surpresa. O
governo Dutra se instalara com um perfil moralista: em fevereiro proibiu
Nelson Rodrigues; em abril fechou os cassinos; em l947, tornava ilegal o
Partido Comunista.
Os
censores alegavam que “nunca tinham visto nada tão “indecente” ou “doentio”; a
perversão e a atrocidade da peça “preconizava o incesto” e “incitava ao crime”.
Não fizeram nenhuma referência ao
lesbianismo - fenômeno também abordado de passagem pela peça.[70]
Quando
Nelson viu que a censura seria definitiva, organizou a edição, em livro, de Álbum
de Família. Foi então que Álvaro Lins escreveu, no
Correio da Manhã, uma reportagem: Tragédia
ou farsa? Analisava a peça como sendo “vulgar na forma, banal na
concepção”. Não contente, utilizou-se de outros qualificativos : “chula”,
“primária”, “grosseira”, “de desoladora miséria vocabular”, “um mar de enganos,
erros , atrapalhações e insuficiências”. E no arremate dizia que a peça
era “um equívoco como tragédia”. A
inflação de incestos deixou Álvaro Lins bastante irritado:
Jonas ama a filha Glória; Glória ama o pai Jonas; Dona Senhorinha ama
os filhos Guilherme, Edmundo e Nonô; Edmundo e Nonô amam a mãe, Dona
Senhorinha; Guilherme ama a irmã Glória. Que família! (...) Se todos são
incestuosos, onde está a tragédia? (...) Teria sido melhor que acontecesse um
único incesto, como em Édipo-Rei para
que ele se tornasse singular, anormal e
extraordinário. [71]
Este artigo originou uma polêmica, com o
envolvimento de todos os Diários
Associados. No início o próprio Nelson escreveu várias críticas contra
Álvaro Lins, assinando os artigos com nome de outras pessoas. Saiu um artigo de
Monte Brito que dizia ser “enciclopédica
e delirante a sua ignorância (de Álvaro Lins) sobre o teatro”. Freddy
Chateaubriand também escreve, denunciando a súbita cultura de Álvaro Lins, que
citara dramaturgos gregos e franceses, e afirmando que, para fazer isto, o
jornalista teria precisado consultar dicionários e incomodar os amigos pelo
telefone.
J. C. Borba do
Correio da Manhã, que até então era um aliado de Nelson, acabou tomando
partido de Álvaro Lins. Denunciou o
“ímpeto frenético para o escândalo”, e ainda reprovou Nelson por se
esconder atrás de seus amigos, a quem classificou como “os boys de Suzana Flag”.[72] Em seguida, o Diário Carioca, onde Nelson tinha vários
admiradores, tomou sua defesa. Três pessoas responderam aos críticos de Nelson:
Pompeu de Souza, Prudente de Morais Neto e Paulo Mendes Campos.
Este foi o grupo que começou a polêmica. Porém as
discussões se espalharam por outros jornais e revistas. Pompeu de Souza, pseudônimo de Roberto
Brandão, foi ferino ao insinuar que Álvaro Lins também estava se escondendo
atrás de um amigo: “Não nos faça rir, amigo. Então o nosso Cesar Borba, o doce,
o suave Borba, aquela flor de menino, que cora a uma palavra mais máscula, transformado
em ferrabrás!” E arrasou a erudição de
Álvaro Lins, dizendo que ele “não entenderia Édipo-rei nem numa condensação do Reader’s Digest”. [73]
O Diário de Notícias contra-atacou dizendo
que Nelson tinha “violado Aristóteles”, construindo personagens como “brutos
eróticos, anormais, tarados, digamos mesmo monstruosos, chafurdando na
degradação e todos eles dominados por um pensamento único: o de continuarem se
degradando. Uma família como aquela provavelmente nunca terá existido”.[74] A polêmica se estendeu
para outros jornais. E dentro de cada jornal haviam opiniões diferentes.
O Globo, onde Nelson Rodrigues tinha um
grande amigo em Roberto Marinho,
promoveu durante dias um debate com a pergunta “Deve ou não ser
representada Álbum de Família?” Vários jornalistas responderam por escrito em
suas colunas.
Austregésilo
de Athayde achava que “só o público e a crítica poderiam julgá-la”. Lúcia
Miguel Pereira, biógrafa de Machado de Assis, afirmou que deveria ser
representada, mas “para um público escolhido”. Dinah Silveira de Queiroz dizia
que a censura até dezoito anos era muito tolerante, e defendia a idéia de que a peça só deveria ser
levada “em círculos privados, para um
público à altura de compreendê-la”. Lêdo
Ivo escreve: “Imoral não é a peça, mas a
sua proibição”. Muitos opinaram pela sua liberação: Agripino Grieco, Rachel de
Queiroz, Emil Faraht, Nelson Werneck Sodré. Manuel Bandeira confirmava o
julgamento que fizera sobre Nelson Rodrigues em Vestido de noiva, afirmando: “É de longe, o maior poeta dramático
que já apareceu em nossa literatura”. [75]
Algumas
pessoas chegaram ao ponto de defender a interdição, como Jaime Costa e Tristão
de Athayde. Os moralistas venceram. A peça, escrita em fins de 1945, e
interditada em fevereiro de 1946, só seria liberada em dezembro de 1965, sendo
encenada pela primeira vez em julho de 1967. A partir desta interdição estava
configurado, para Nelson Rodrigues, o papel de escritor maldito.
[1] Sábato Magaldi, Panorama do
Teatro Brasileiro, p. 202.
[2] Apesar de Rei da Vela ter aparecido antes do
teatro de Nelson Rodrigues, só nos
anos 60 José Celso Martinez iria
propiciar à peça de Oswald de Andrade
o seu merecido sucesso.
[3] A crítica foi mais ou menos
unânime nos elogios à nova dramaturgia que estava surgindo no Brasil. A nível
acadêmico, no entanto, podemos citar pelo menos dois trabalhos: Angela Leite Lopes, com Nelson Rodrigues - Trágico, então moderno,
e Mário Guidarini, Nelson Rodrigues - Flor de Obsessão.
[4] Nelson Rodrigues, O Óbvio Ululante, p. 48.
[5] Que ocorre em janeiro de
1912, ano em que nasce Nelson Rodrigues.
Mário Rodrigues tinha acabado de se
eleger deputado, em Recife, em 1911.
[6] Nome da região em litígio
entre os estados de Paraná e Santa Catarina, litígio que foi resolvido
pacificamente pelas vias legais.
[7] Ver a este propósito os
comentários de Stella Rodrigues, em Nelson Rodrigues, meu irmão.
[8] Nelson Rodrigues, O Óbvio
Ululante.
[9] Nelson Rodrigues, O Óbvio
Ululante, p.
Pág. 15.
[10] Nelson achava a reforma das
manchetes um empobrecimento da notícia e passou a considerar os copy-desks os “idiotas da objetividade”. “Se
o copy-desk já existisse naquele
tempo”, dizia, “os dez mandamentos
teriam sido reduzidos a cinco”. Ruy Castro, O Anjo Pornográfico - a vida de Nelson Rodrigues, p. Pág. 231.
[11] Nelson Rodrigues, O óbvio
ululante, p.
Pág. 16
[12] Apesar de Epitácio Pessoa ter sido um bom
administrador. Foi em seu governo que o prefeito do Rio derrubara o Morro do Castelo, desenvolvendo o centro
da cidade, além de aterrar a Baía de Guanabara. Apesar de seus princípios liberais
fizera uma intervenção no mercado do café, que resultara numa operação
financeira valorizadora.
[13] Além de cortar as
comunicações telegráficas, de encher a cidade de cangaceiros paraibanos, estacionou dois destróieres da Marinha de
Guerra no Recife, com os canhões apontados para a cidade.
[14] Movimento rebelde, no Rio
Grande do Sul, sob a chefia do capitão
Luiz Carlos Prestes, que acaba se juntando aos rebeldes paulistas, e
realizando uma famosa marcha que corta o
país do sul até o Maranhão, sempre acossado pelas tropas legalistas. A imprensa oposicionista o chamava de Cavaleiro da Esperança.
[15]O governo construiu estradas de rodagem, fez uma boa reforma
financeira
[16] A
carta de 1937 vai permitir que Getúlio Vargas
exerça amplamente o instrumento dos decretos leis. Vários setores da legislação brasileira vão sofrer renovação. As leis trabalhistas
permitem a organização dos sindicatos unificados, e controlados pelo Estado. No campo da economia, a
legislação vai permitir o desenvolvimento industrial.
[17] Nelson
Rodrigues, Memórias de Nelson
Rodrigues, p. 156.
Note-se a ironia com a qual o escritor trata o porta-voz da opinião pública, em
Álbum de Família.
[18] Movimento literário e
artístico, que originou uma nova fase para a expressão artística ligada à
literatura e às artes plásticas brasileiras. “Caracteriza-se pela ruptura com as tradições acadêmicas, pela liberdade de criação e de pesquisa
estética, e pela busca de inspiração nas fontes mais autênticas da cultura e da
realidade brasileira”. Aurélio Buarque
de Hollanda, Novo Dicionário da
Língua Portuguesa.
[19]
Antes da fase do romantismo a literatura brasileira nem sempre fazia distinção entre os gêneros, ou seja, os limites entre a escrita
literária, a escrita religiosa política e histórica não eram estabelecidos com
nitidez. Só com o romantismo é que a literatura ganhou autonomia própria,
dentro de limites e gêneros específicos.
[20]
Enciclopédia Barsa, vol. III, p. 358.
[21] Nelson Rodrigues, “Apelo de
uma Fé Perdida”, em O óbvio Ululante, p.
Pág. 72
[22] Enciclopédia
Barsa, vol. III, p. 358.
[23] Op.
cit., p. 359.
[24] Op. cit., p. 359.
[25] Op.
cit., p. 360.
[26] Observações feitas por Edwaldo Cafezeiro durante o Exame
de Qualificação do projeto desta dissertação.
[27] Maria Cachucha é de 1939. Enquanto que Deus lhe pague é de 1932.
[28] Nelson Rodrigues reproduzia,
repetia e divulgava amplamente qualquer elogio que recebesse. Às vezes era ele próprio que escrevia tal elogio.
Como, por exemplo, na coluna Spot-light em O Cruzeiro,
onde Accioly Neto se assinava como Grock. A partir de 1944, todas as
críticas das peças de Nelson, e que foram assinadas por Accioly, foram escritas
pelo próprio Nelson Rodrigues.
[29] Isto sem esquecer que a televisão brasileira
está retomando Nelson Rodrigues. A TV Globo já anuncia a estréia ainda em
maio de 1995, da adaptação do folhetim sobre Engraçadinha.
[30] Ver sobre este assunto os
capítulos Panorama Contemporâneo, e O Desbravador, em Sábato Magaldi, Panorama do
Teatro Brasileiro.
[31] Para se ter uma idéia, havia
uma lei que obrigava as atrizes a fazerem constantes exames ginecológicos, lei
que vigorou até 1950, no final do governo Dutra.
[32] Como
curiosidade, é justamente por esta análise que Maciel, vai dar razão a Artaud,
quando este, em suas cartas delirantes, acusava os burgueses de Paris de se reunirem todos os dias
para conspirarem contra sua vida.
[33] “A figura-chave da equipe era o ponto, o sujeito que ficava lendo a peça
baixinho num buraco do proscênio, sem o qual nenhum ator daria um pio.” Ruy Castro, O Anjo Pornográfico - a vida de Nelson Rodrigues,
pPag. 152
[34] Nelson Rodrigues, O Reacionário, memórias e
confissões, , p. pág.
134.
[35] Sociedade Brasileira de Autores Teatrais
[36] Falas improvisadas pelos
atores, e que não constam do texto.
[37] Na Commedia dell’Arte o importante é a
improvisação. “O ator é um dos elementos
do espetáculo, harmonizado com os demais.” Com uma grande liberdade
criadora, através da improvisação, o ator vai se tornando também o autor
daquele espetáculo. Os diálogos se apresentavam “de acordo com a fantasia do momento”. Sábato Magaldi, Iniciação ao
Teatro, p 26.
[38] Carlos Vogt e Berta Waldman, Nelson
Rodrigues, Flor de Obsessão, p. 25.
[39] A presença de traços de
chanchada em alguns autores, parece indicar uma escolha intencional. Por
exemplo em O Rei da Vela ou Macunaíma, de Oswald de Andrade, ou nas peças de Nelson Rodrigues. Partindo do teatro, a chanchada acaba
contaminando o cinema nacional.
[41] Sábato Magaldi, Panorama do
Teatro Brasileiro.
[42] Ronaldo Lima Lins, O Teatro
de Nelson Rodrigues - Uma Realidade em Agonia, p. 34.
[43] Eline Barros Murad, Luz e Sombra no Teatro de Nelson Rodrigues, p. 29.
[44] Cita como exemplo um
fragmento de crônica: “Era um desses
viralatas vadios e líricos. Dava
saltos maravilhosamente plásticos,
elásticos, acrobáticos”. O grifo é nosso. Cláudia de Alcântara Chaves, Flor
de Obsessão em 4 atos.
[45] O apelo feito a um terceiro
personagem, com quem Nelson Rodrigues
compartilha uma determinada situação, serve para aprofundar e solidificar suas
observações. Como exemplo a autora cita a seguinte passagem: “Não estou sozinho no meu horror a Marx,
tenho a companhia inteligentíssima de Otto Lara Resende”. Cláudia de Alcântara Chaves, Flor de Obsessão em 4 atos, p. 21
[46] Para Carlos Vogt e Berta Waldman,
as frases de efeito de Nelson Rodrigues
o identificam com “o homem comum, o
homem do bom senso, carregado de aforismos e rápido no gatilho para sacar
generalizações, às vezes generalidades, e muitas vezes apenas banalidades, que
o identificam, agora pelo senso comum com a classe social que ele mais atacou
não para destruí-la, mas para purificá-la e, assim, preservá-la, eternamente: a
burguesia”. Os autores citam, como exemplo, algumas das máximas de Nelson:
“... A Europa é uma burrice aparelhada
de museus”; “No Brasil, quem não é
canalha na véspera, é canalha no dia seguinte.”
[47] A autora traz exemplos: “Convém contar as coisas como nos convém”; “Toda unanimidade é burra”, Cláudia
de Alcântara Chaves, Flor de Obsessão
em 4 Atos. Lembramos outras,
retiradas do livro O Óbvio Ululante:
“Quem ama conhece todo o inferno da
mania de perseguição”; “Quem nunca
desejou morrer com o ser amado, não conhece o amor, não sabe o que é amar”; “O
poeta tem de ser profético ou não é poeta”; “O brasileiro é um feriado”. Nelson Rodrigues, O Óbvio Ululante, p. 47, 89, 119.
[48] Claudia de Alcântara Chaves, Flor
de Obsessão em 4 atos, p. 21.
[49] Op. cit., p. 20.
[50] Sábato Magaldi, Panorama do Teatro Brasileiro, p. 203.
[51] Entrevista concedida a Neila Tavares, arquivos do Serviço
Nacional de Teatro
[52] Cláudia de Alcântara Chaves, Flor
de Obsessão em 4 atos, p. 43.
[53] Sábato Magaldi, Nelson Rodrigues: Dramaturgia e Encenações,
p. 10.
[54] Caso contrário ele ficaria tão inédito quanto
o teatro de Oswald de Andrade.
[55] Segundo palavras d e Decio
Almeida Prado, em Rui Castro, Rui, O
Anjo Pornográfico - a vida de Nelson Rodrigues, ppag. 250.
[56] Contava com um grupo de italianos, entre os quais Adolfo
Celli, Ruggero Jacobbi, Luciano Salce, Flaminio Bollini, que haviam chegado de Roma. Ziembienski era
a exceção polonesa.
[57] Op. cit., p. Idem,
Pág. 251.
[58] Entre as várias desculpas e explicações
insuficientes que foram dadas, Ruy
Castro ouviu o seguinte de um dos veteranos do TBC: “O TBC era o xodó da
alta classe média de S. Paulo. Era esnobíssimo, o governador do Estado ia às
estréias. Se pudesse, o TBC encenaria tudo em francês. Nelson, definitivamente,
não era ‘bem’. Eles o achavam ‘marrom’,
ligado a jornais de escândalos. Digamos, grosso.” Op. cit., p. 135.
[60] Cujo objetivo era fortalecer o autor
nacional, montando exclusivamente peças brasileiras. Tal projeto, porém, não
chega a ultrapassar o manifesto lançado pelos jornais.
[61] Sábato Magaldi, Panorama do
Teatro Brasileiro, p. 194.
[62] Ruy
Castro, O Anjo Pornográfico - a vida
de Nelson Rodrigues.
[63] Sábato Magaldi, Iniciação ao Teatro, p. 52.
[64] Ruy Castro,
O Anjo Pornográfico - a vida de Nelson Rodrigues, pPa. 166.
[65] Todos tinham outros
empregos. Alguns acabaram deixando as ocupações, outros foram demitidos. “Brutus Pedreira, Agostinho Olavo, Maria bBarreto
Leite e Álvaro Alberto eram
funcionários públicos; Carlos Perry,
Virgínia de Souza Nneto,
Nelson Vaz e Maria de Lourdes Watson, advogados; Luiza Barreto Leite e Gustav o Dória, jornalistas”
. Stella
Perry e Evangelina Guinle da Rocha Miranda, asAs atrizes principais da peça, nunca
tinham trabalhado. Stella Perry e Evangelina Guinle da
Rocha Miranda. A família de Stella, os Rudge, tinham ramos nobres no Rio , em São Paulo e na Inglaterra. E
certamente não gostavam de vê-la misturada com pessoas de teatro. Mas seu marido, Carlos
Perry, adorava teatro, e queria se
tornar ator. Seu personagem foi a Ela fez a Lúcia,
em Vestido de Noiva, desempenhado brilhantemente. Evangelina Guinle, por seu lado, era
milionária. Morava no Palácio Laranjeiras,
vendido depois por seu pai, Eduardo
Guinle, para o governo do Estado. Para não envergonhar a família trabalhou
com pseudônimo de Lina Gray. Ruy Castro, O Anjo Pornográfico - a vida de Nelson Rodrigues.
[66] Op.
cit., p. Pag. 167
[67] Op.
cit., p. Pag. 167
[68] Nelson Rodrigues, O
Reacionário, memórias e confissões, p.. Pág. 134-23
[69] Nelson Rodrigues, Memórias de Nelson Rodrigues, P.
161.
[70] Ruy Castro, O Anjo Pornográfico - a vida de Nelson Rodrigues,
p.Idem, p. 196.
[71] Op.
cit., p. 197.
[72] Op.
cit., p. 198.
[73] Op.
cit., p. 198.
[74]
Artigo de R. Magalhães Jr. Op. cit.,
p. 198/199.
[75] Op. cit., p. 199.