A Entrevista de Orientação - Finalização do Processo de Psicodiagnóstico
Texto escrito em 1992, como complementar ao curso Psicoterapia
Infantil, lecionado na Oficina do Ser. Publicação eletrônica, através da Home Page Página Psi, no endereço Web http://www.lncc.br/elzamar/psypage,
LNCC, fevereiro de 1996. E novamente publicado em 2011.
O processo de avaliação
diagnóstica ocorre no início de boa parte das estratégias terapêuticas. E como
muito bem define O' Campo e col. (1978), trata-se de um processo de curta
duração, com objetivos bem definidos, através do qual o psicólogo,
utilizando-se de métodos e técnicas específicas, e orientado por uma teoria
escolhida previamente, vai avaliar aspectos da dinâmica individual e familiar
de uma pessoa; esse processo ocorre sempre após
uma demanda de orientação sobre problemas de ordem psicológica.
Para a adequada realização
de um processo tão complexo quanto este, são necessários determinados
conhecimentos. Em primeiro lugar é preciso um bom domínio de uma teoria de
personalidade, a qual vai fornecer os fundamentos teóricos a partir do qual o
psicólogo tentará compreender a pessoa. Além disto é preciso que sejam sólidos
não somente seus conhecimentos sobre desenvolvimento e psicopatologia, como
também sobre os recursos técnicos, métodos, instrumentos e estratégias que a
psicologia pode oferecer, no sentido de facilitar uma melhor compreensão sobre
a personalidade.
Mira y Lopez (1969), ao
comentar os problemas de diversos tipos relacionados ao desenvolvimento das
crianças refere-se à necessidade de um diagnóstico etiopatogênico preciso, que
possa levar a um adequado plano de tratamento e a um programa pedagógico
eficaz.
São inúmeros os problemas
que podem surgir vinculados a este processo. De imediato lembramos a
necessidade de que a avaliação diagnóstica se fundamente em uma abordagem
dinâmica e multidimensional da personalidade.
Isto significa supor que todas as afirmações diagnósticas precisam estar contextualizadas
socialmente, além de permitir uma clara compreensão sobre as possibilidades de mudanças
futuras. Esta perspectiva assume, por um lado, que as causas de um
determinado problema devem se inserir em diversas ordens (culturais,
institucionais, familiares, genéticas, etc.); por outro lado exige que se
mantenha como meta tornar claro, para todos os envolvidos neste processo, a
importância do conceito de
transitoriedade do diagnóstico. Isto permite uma postura mais clara
contra a medicalização e estigmatização, fáceis de ocorrer quando se parte de
outros fundamentos teóricos.
No entanto, escapando de
áreas mais polêmicas, vamos procurar manter os limites de um texto didático.
Para isto organizamos uma síntese das principais etapas já tão bem
desenvolvidas por outros autores como Arminda Aberastury (1969) ou Maria Luiza
O' Campo (1978). Porém, numa homenagem
singela ao professor Mira y Lopez, pessoa que tanto contribuiu no sentido do desdobramento das
técnicas de avaliação, escolhemos destacar o uso dos testes como instrumentos
complementares ao processo do psicodiagnóstico.
2. Definição e Objetivos do
Psicodiagnóstico
Na área clínica, a utilidade
da avaliação diagnóstica mostra todo seu valor no que diz respeito ao
atendimento infantil. Nem sempre é a criança ou o adolescente que precisa de
atendimento. Como diz Manoni (1971), a criança é um sintoma dos pais;
ou então usando a designação do Pichon-Rivière (1986), a criança (e podemos
perfeitamente falar dos adolescentes também) é o bode expiatório da família; ela adoece porque o grupo nela deposita
maciçamente suas próprias partes doentes. E assim ela passa a ser o porta-voz
do grupo familiar.
A sociedade confere à criança um estatuto, porque o encarrega, por sua
vez, de realizar o futuro do adulto: a criança tem por missão reparar o malogro
dos pais, realizar-lhes os sonhos perdidos.
Normalmente não é a criança quem procura o psicólogo; ela em
geral pouco sabe de sua situação; quando muito sabe que sofre e, algumas vezes,
nem isto. Em geral são os pais (ou responsáveis) que procuram o auxílio. Em
grande parte encaminhados por outro profissional da área de saúde mental, ou
então pela escola. Isto porque muitas vezes os pais não se dão conta das
condições emocionais desfavoráveis de seus filhos, e nem que existem problemas.
Outras vezes os pais percebem claramente que estão vivendo uma situação
emocional extremamente desconfortável e dolorosa, mas não sabem o que fazer,
nem como agir para modificar aquela situação. Sentem-se muitas vezes
angustiados, deprimidos, e desvalorizados enquanto pais. Sofrem, com o
sofrimento dos filhos. Nestas ocasiões
pode acontecer que um profissional (médico, fonoaudiólogo, fisioterapeuta,
professor, orientador educacional, etc.), ao lidar diretamente com a criança,
tenha seu olhar sensibilizado pelo sofrimento de seu pequeno paciente. Este
profissional pode procurar mostrar aos pais a necessidade de uma avaliação
psicológica mais profunda. E assim ele procura encaminhar os pais para um
psicólogo, que vai então realizar o psicodiagnóstico, para verificar que
medidas podem e devem ser tomadas.
Neste momento a
responsabilidade do psicólogo se impõe, pois muitas vezes atuando fora de uma
equipe multidisciplinar, a ele cabe a decisão sobre a orientação terapêutica a
ser dada. Por isto é necessário um exame detalhado e aprofundado, o mais
completo possível, para que o grupo familiar possa receber informações sobre a
melhor estratégia terapêutica, ou seja, aquela baseada em uma correta visão
sobre a dinâmica da situação familiar.
Apesar do psicodiagnóstico
poder se aplicar a qualquer pessoa, este processo, tal como será apresentado
aqui, é desenvolvido normalmente nos limites da faixa etária que se inicia na
infância, passa pela puberdade e termina na adolescência. Exceção feita para
casos bem particulares, o diagnóstico do adulto não atravessa as mesmas fases.
O adulto - mesmo o adulto jovem - ao procurar uma ajuda já não tem dúvidas
sobre a necessidade daquele atendimento. Além disto, diferente da criança, ele
verbaliza bem suas angústias e aflições, além de ter um melhor juízo crítico
para enfatizar, em seu relato ao terapeuta, aqueles acontecimentos que julga
serem importantes na instalação de seu sintoma.
Então, o que vem a ser esta
avaliação da qual estamos falando? Como Maria Luiza O’Campo (1978) mostra tão
bem em seu livro O processo
psicodiagnóstico e as técnicas projetivas, o psicodiagnóstico é um processo
marcado por um contrato de duração temporária, contrato este que se faz entre o
paciente (indivíduo adulto, grupo familiar, pais e criança, casal, etc.) e o
psicólogo, onde o paciente pede ajuda para um problema determinado, e onde o
psicólogo se compromete a dar, uma vez que possa tomar conhecimento da dinâmica
daquele paciente em suas interações com seu meio. Para isto o psicólogo vai
lançar mão de vários recursos: entrevistas de anamnese, contato com
profissionais responsáveis, observação livre da criança dentro da própria
situação familiar, entrevistas de sessão livre, entrevistas para a aplicação de
testes, entrevistas de devolução, entrevistas de orientação final.
Esse processo tem duração
variável, pois o número de sessões depende de cada caso a ser examinado. No
entanto podemos imaginar a média das sessões varia entre seis a oito sessões,
realizadas em um período que poderá durar de uma semana a um mês, dependendo do
caso e do profissional. Existem atendimentos que são muito simples. Desde o
início já se pode ter uma noção muito clara do tipo de comprometimento do
paciente. Nestes casos algumas poucas entrevistas são suficientes para que a
hipótese diagnóstica possa ser verificada. Porém existem casos de difícil
compreensão; casos em que o diagnóstico diferencial é bem mais complicado. Por
exemplo, nem sempre é fácil diferenciar claramente entre uma criança autista e
uma outra que apresente deficiência mental. É aqui que a avaliação do psicólogo
se torna tremendamente importante visto que muitas vezes o destino do paciente
vai depender inteiramente de sua
opinião.
A seguir vamos descrever sucintamente o final do processo de avaliação, quando é necessário realizar uma entrevista de orientação.
Algumas vezes durante o
transcurso de uma avaliação psicológica fica claro que os pais necessitam de uma breve
orientação sobre sua forma de lidar com os filhos. Outras vezes a escola demanda uma
orientação sobre o aluno em questão; alguns professores podem necessitar de
apoio para tentarem novas abordagens pedagógicas. Ou então alguns pais podem
necessitar maiores esclarecimentos sobre o desenvolvimento emocional de seus
filhos, sobre os motivos subjacentes que determinam certos comportamentos e
atitudes, sobre os efeitos que alguns comentários seus poderão ter sobre a vida
anímica de seus filhos, ou sobre a sexualidade de seus filhos. Estas situações vão precisar de uma atenção por parte do psicólogo, e acabam se tornando uma espécie de complemento do
processo psicodiagnóstico.
Esta ultima etapa, que é
circunstancial e opcional, caracteriza-se por ser uma fase de curta duração.
Pode percorrer algumas sessões,
porém sem chegar a se constituir em um acompanhamento
de pais, ou sem se prolongar em um atendimento psicoterapêutico.
Esta finalização pode
ocorrer naqueles casos de desajustes em função de circunstâncias ambientais e
passageiras, onde a estrutura psíquica da criança não se acha muito
comprometida, e onde os pais e/ou professores sejam pessoas receptivas, que
apresentam uma personalidade equilibrada. Em geral tratam-se de processos de
avaliação diagnóstica nos quais não houve necessidade de indicações
terapêuticas nem para a criança, nem para os pais. Estes casos são fechados com
a recomendação de uma reavaliação psicológica dentro de algum tempo, como uma
forma de follow-up.