segunda-feira, 26 de maio de 2008

Início da Dramaturgia de Nelson Rodrigues





             __________________        O Início da Dramaturgia

Elza Rocha Pinto


Nelson nasceu em 23 de agosto de l9l2, em Recife, e foi o quinto filho de uma família numerosa. Sua mãe teve quatorze filhos. Seus outros oito irmãos nasceram no Rio.[1]
Seu pai, Mário Rodrigues, era um jornalista bastante combativo. Fez muitos inimigos políticos em Recife. Em parte por isto, Maria Esther, mãe de Nelson, insistiu que ele devia tentar a vida no Rio de Janeiro. Ele vem sozinho, e começa a trabalhar no Correio da Manhã. Mas é demitido. Nesta ocasião Maria Esther chega de Recife, trazendo todos os filhos. Quando Mário consegue seu emprego de volta, eles passam a morar na Aldeia Campista. Muitos acontecimentos deste período vão marcar a temática rodrigueana.[2]
 Nelson não se achava bonito. Tinha problemas com seu corpo e vergonha de sua cabeça. De fato seu físico não ajudava; possuía um tronco desproporcional, e uma enorme cabeça, que chamava muita atenção. Futuramente ele vai se descrever naquele tempo como “pequenino e cabeçudo como um anão de Velásquez”.[3]  É possível que Nelson se sentisse assim, deformado e monstruoso.  Sendo mais precoce e mais inteligente do que os outros, ele era um  menino diferente em relação aos garotos de sua idade. Aos sete anos ele mesmo pede que sua mãe o inscreva na escola.  Aos 8 anos surpreende sua professora, com uma redação, sobre um episódio de adultério, onde já revela todo seu talento de futuro escritor.
 Sua redação não poderia deixar de ser premiada, mas já censurada, não poderia ser lida na frente da classe. Nelson já era um autor maldito, aos oito anos de idade! Sua professora foi mostrá-lo à uma colega sua, e depois foram em comitiva à sala de uma terceira professora.  Nelson confessou futuramente que ele adorou ser, pela primeira vez, o centro das atenções.
Esta primeira redação aponta o caminho trilhado pela obsessão de Nelson: o entrelaçamento entre o sexo e a morte Sem dúvida o clima de festa, após a devastação da Gripe Espanhola, era de erotismo. Além disto, os acontecimentos da Rua Alegre iam aos poucos contribuindo para formar o imaginário do menino. [4]
Em que pese estas influências, uma outra fonte, bem mais próxima de Nelson, contribuiu intensamente para a famosa redação do marido traído: os ciúmes de seu pai, que eram intensos. Nelson reverenciava o pai como a um herói; quanto a mãe, ela era a pessoa mais amiga, meiga, e “linda como Nossa Senhora”.[5] Mas os desentendimentos do casal, em função dos ciúmes de Mário, eram freqüentes. E Nelson presenciava bate-bocas tremendos, que terminavam sempre com o pai de joelhos, agarrado em Maria Esther, jurando que aquilo não se repetiria.
Era ciumento como um marido de ópera. Não deixava a mulher sair sozinha e muito menos de bonde: havia um gaiato em cada ponto, alerta para a menor centelha de um tornozelo exposto, mesmo que de meias, na hora de subir ao estribo. Se Maria Esther tinha de sair de casa, que fosse em carro fechado e com um dos filhos.[6]
 Além dessa influência de seu pai, Nelson teve uma outra fonte importante para suas futuras estórias, em suas leituras, que nunca  foram censuradas pelos pais. Ele lia  tudo que lhe caía nas mãos: livros baratos, almanaques e uma grande quantidade de subliteratura, que incluíam romances variados.[7] E muitos folhetins de jornal. O folhetim era uma característica dos jornais na época. Cada jornal tinha o seu romance publicado em capítulos, à semelhança das novelas da TV. Através das leituras destes folhetins Nelson  foi entrando em contato com seu futuro estilo.
A educação de Nelson foi muito liberal. Nunca apanhou dos pais. Uma única vez sua mãe ficou zangada a ponto de querer lhe bater. Isto aconteceu quando ele  foi expulso do Colégio Batista, aos quatorze anos, na metade do curso ginasial. [8]
Com o passar do tempo, o prestígio de Mário Rodrigues  aumentou. Com a melhoria salarial, a família se mudou para uma nova casa, ainda na Tijuca. No entanto, boa parte do seu salário desaparecia no Clube dos Democráticos, sociedade carnavalesca da qual Mário era um torcedor ardente. A boemia de um lado, e o fascínio pela política por outro, ocupavam o dia de Mário Rodrigues. Sobrava pouco tempo para os filhos. A responsabilidade da educação ficava, então, à critério de Maria Esther.[9] Para compensar sua ausência em casa, Mário deixava os rapazes freqüentarem o Correio da Manhã.  E assim o jornalismo, aos poucos, entrou na vida de cada um deles.  
Em 1924 seu pai é condenado por injúria e difamação contra o governo, ficando preso por um ano.  Maria Esther, que  podia visitá-lo três vezes na semana, sempre levava três ou quatro filhos. Ela ficava para passar a noite, enquanto o mais velho voltava com os menores para casa.
 Nelson, com doze anos, visitava seu pai na prisão com freqüência. Nesta época, começando a entrar na adolescência, ele vai viver uma “espécie de indolência melancólica”.[10]  Aos poucos abandona a praia, e os exercícios, desinteressando-se inclusive pelas peladas. Os irmãos tinham quase que suborná-lo para que ele participasse das brincadeiras.
Uma atmosfera de fog envolvia Nelson à medida que ele entrava na adolescência. Estava ficando depressivo, como costumam ficar os meninos nessa idade - só que, nele, essa depressão era dramática, de tango, porque ele só faltava subir num caixote para proclamá-la. Vivia suspirando pelos cantos e, às vezes, soltava uma exclamação que certamente lera nos livros, mas que ninguém sabia se era a sério ou não: ‘Eu sou um triste!’- uma frase que, aliás, continuaria repetindo pela vida afora. [11]
Sua mãe achava que isto era o resultado de seus fracassos amorosos, na medida em que, apaixonado, não era correspondido.[12]
Ao sair da prisão Mário Rodrigues resolve fundar seu próprio jornal, por ter se decepcionado com Edmundo Bittencourt. Assim surge A Manhã, jornal combativo, muito virulento, que sofreu doze processos só nos dois primeiros anos.
Aos treze anos e meio, em dezembro de l925, Nelson Rodrigues, consegue convencer seu pai a deixá-lo trabalhar como repórter de polícia, passando a ganhar um salário de trinta mil reis por mês.[13] A matéria policial era feita nas delegacias, ou por telefone. Mas algumas vezes a caravana[14] do jornal saía até o local, tentando chegar antes da concorrência, para publicar o furo, ou a notícia em primeira mão.[15] No início Nelson  se encarregava da ronda das delegacias, por telefone. Aos poucos foi impressionando as pessoas pela facilidade com que impunha dramaticidade às notícias que os repórteres traziam das ruas. Seu maior interesse e sua especialidade na época, aquilo que o fazia sair na caravana, eram os “pactos de morte entre jovens namorados”. Típica história de folhetim, parecia uma epidemia na década de 20. [16]
Em parceria com seu primo, Augusto Rodrigues, Nelson funda um jornalzinho,  Alma Infantil. De estilo atrevido e agressivo, como o jornal de Mário, ele vai indo bem, até comprar uma briga com seu pai, atacando seu ídolo, Rui Barbosa. É despachado sumariamente de volta às crônicas policiais.
Com quatorze anos Nelson começa a freqüentar o Mangue. Para  os homens de sua geração, a única alternativa de sexo fora do casamento era através das profissionais. Um tipo de relacionamento, que ele considerava como “o seu purgatório particular do sexo sem amor”, e que Nelson vai manter mesmo em sua vida adulta.
Por pouco Nelson Rodrigues escapa da prisão, quando seu pai e  seus três irmãos mais velhos[17] são detidos por suspeita de um atentado contra um repórter de A Democracia. Nelson estava em Recife, recuperando-se de uma de suas profundas depressões. Aos dezessete anos, Nelson se apaixonava  com freqüência. Porém  nunca era correspondido, o que causava intensos episódios de melancolia. Em Recife ele ficou durante um mês. Saiu da depressão ao se apaixonar por  uma prima de quinze anos,[18] e entrou numa espécie de  “euforia mórbida”, onde podia até  deitar-se no meio da rua, fingindo ter sido  atropelado.
Mário Rodrigues ganha muito dinheiro com A Manhã, e a família se muda para um luxuoso palacete, no então deserto Posto Seis. Boêmio, continua chegando altas madrugadas, escrevendo, às vezes, o artigo de fundo, no bar Brahma, na companhia de Orestes Barbosa. Mas cheio de dívidas Mário acaba perdendo o jornal para seu sócio.
Só que logo depois ele vai abrir outro jornal: Crítica,[19] também de grande sucesso, inclusive pela renovação da aparência gráfica. Seu novo jornal chega a revolucionar a caricatura brasileira. O jornal era forte em vários setores: na política, no esporte, e na página policial, dedicada aos crimes:
Diariamente a caravana da  “Crítica” descobria um caso aterrador do submundo carioca e o explorava até o último pingo de sangue ou esperma:  casais que se esquartejavam por ciúme, filhos que torturavam pais entrevados, mães que seduziam filhos, irmãs que se matavam pelo mesmo homem, padres estupradores e toda sorte de adultérios.  [20]
As ilustrações de primeira qualidade, à cargo de Roberto Rodrigues, reconstituíam “a cena do crime com um toque tão dramático, erótico e sensacionalista quanto o texto. Era de um mau gosto violento e propositado.[21]
Roberto era um dos filhos mais queridos, e apesar de não ser o mais velho, tinha muita autoridade, segurança e determinação, liderando seus irmãos. Bem casado, simpático, bonito e inteligente e sensível.  As mulheres se encantavam com seu ar triste e taciturno. 
Sua especialidade eram os desenhos; com dezessete anos entrara para  a Escola de Belas Artes, onde chamou atenção pelo seu traço moderno e ousado. Tornou-se muito amigo de Cândido Portinari, a quem começou a ajudar.  Intelectual de grande atividade no meio cultural, Roberto praticamente lançou Portinari atacando, pela imprensa, os jurados do Salão Oficial da Escola de Belas Artes.[22]  Expressava suas opiniões de maneira franca e combativa. Em Crítica, Roberto focalizava, com seus desenhos, os crimes e escândalos. A matéria da oitava página virava quase um folhetim, pois Roberto ilustrava o principal crime do dia. Mário Rodrigues não concordava com aquela linha editorial da seção policial. Preferia que isto fosse feito no futuro jornal que pretendiam abrir: a Última Hora. Achava que Crítica deveria se dedicar aos editoriais políticos.
Em l929 Roberto é assassinado na redação da Crítica, por causa de uma reportagem sobre a separação de uma escritora. E isto muda inteiramente a rota da família Rodrigues. No dia 29 de dezembro, Sylvia Thibau, profundamente perturbada pelo teor escandaloso da reportagem sobre sua separação, compra um revólver numa loja no centro, e vai até a redação de Crítica procurar Mário Rodrigues. Achou Roberto, a quem matou com um tiro. Nelson estava lá, viu a moça chamar o irmão, ouviu o tiro, tentou acudir Roberto. Mas já era tarde. Roberto morreu poucos dias depois. Conforme diz Ruy Castro:
Ninguém conseguirá penetrar no teatro de Nelson Rodrigues sem entender a tragédia provocada pela morte de Roberto. No mesmo dia do enterro, toda a família pôs luto. Os homens ainda podiam sair à rua de terno escuro ou com o fumo na lapela, mas suas irmãs se cobriram de preto da cabeça aos pés. Milton, o irmão mais velho, ia para o porão do palacete, antigo território de Roberto, apagava as luzes e ficava horas no escuro -  à espera de um milagre que o fizesse vê-lo ou ouvi-lo. Nelson apenas chorava. Joffre, de catorze anos, apanhou um revólver de Mário Rodrigues e passou a andar armado pela cidade à noite. Sabia que Sylvia tivera sua prisão relaxada. Se a encontrasse, a mataria. [23]
A partir daí Mário Rodrigues nunca mais foi o mesmo. Emagreceu muito, envelheceu. Sentia-se profundamente infeliz. Os cabelos ficaram grisalhos em poucos dias. Achava-se responsável pela morte de Roberto, lembrando a todos que era ele quem deveria ter morrido no lugar de Roberto. Maria Esther também não se consolava: “Perdôo tudo, menos isto”. Este tudo se referia aos “sumiços de Mário, suas carraspanas, os ataques de ciúmes, as brigas entre os dois e as cartas e telefonemas anônimos de mulheres contra ela.” Dois meses depois,  Mário acabou morrendo. 
 Com a morte do pai, Crítica passa a ser dirigida por Milton e por Mário Filho, até que, durante a Revolução de 1930, a redação do jornal é inteiramente destruída. Não sobra nada; os Rodrigues ficam sem recursos, e sem meios de sobrevivência. Começa assim  um período muito difícil para a família. Tudo que tentaram dava errado. Perderam até o leilão com os despojos de Crítica. Restava processar a União pelo empastelamento. Porém por falta de  dinheiro  só conseguiram dar início à ação em 1931. Passaram meses sem trabalho, porque todos os jornais tinham medo de empregar os Rodrigues. Crítica tinha feito oposição cerrada contra os vitoriosos da revolução de 1930. Os Rodrigues viveram  dez anos de dificuldades, sendo que três, foram de  grande fome. Houve  épocas em que eles passaram  a pão com manteiga; e na falta desta, usavam azeite, ou  mesmo banha de porco, no pão, que constituía a única refeição do dia; e mesmo assim, nem todos os dias. Estabeleceram um rodízio: dia sim, dia não todos tomavam uma xícara de café com leite; só as meninas se alimentavam todos os dias. Aos poucos, foram vendendo todos os pertences, desde móveis até os aparelhos domésticos. Leiloaram os quadros. Quando o aluguel ficava atrasado mais de três meses, eles deixavam a casa. A partir de 1931, os Rodrigues passaram por uma ciranda de endereços,  sempre para uma casa cada vez menor, e mais pobre.[24]  Mas sempre na Zona Sul, em Ipanema ou Copacabana.
A situação começou a melhorar com a ajuda de Roberto Marinho. Assumindo a direção de O Globo, com a morte de seu pai, resolve contratar Mário Filho, seu colega de sinuca, para a página dos esportes. Mário pede a contratação de Nelson e Joffre. E, assim,  eles começaram a conseguir dinheiro para o sustento da casa. Só que ainda era pouco para a sobrevivência da imensa família.
Nelson herdara os ternos, gravatas e chapéus de Roberto. Ele foi usando até que as roupas se reduziram a um único terno, “com o qual ia trabalhar todos os dias - porque não podia tirá-lo para lavar. Nelson andava só de sapatos, porque não tinha meias, e usava a mesma camisa durante três ou quatro dias”.[25] A falta de dinheiro muitas vezes obrigava Nelson a ir a pé para a redação de O Globo, no centro. E então começaram a surgir as conseqüências, pois o longo período da fome, e as precárias condições de vida, acabaram por debilitar sua saúde. Em 1934, Nelson estava com tuberculose.[26] Internou-se em  Campos de Jordão,  no Sanatorinho, onde teve sua primeira experiência com a dramaturgia, pois alguém sugeriu  um teatrinho, e  Nelson foi eleito escritor da peça; seu sketch foi um total sucesso. Após três meses Nelson voltou ao Rio. Mas vai ter cinco recaídas da  tuberculose nos anos seguintes, precisando voltar ao Sanatorinho por três vezes ainda, antes da descoberta da  estreptomicina em 1949. Alguns anos mais tarde, a tensão emocional e os anos de desnutrição, sustentados pelas constantes dietas que Nelson era obrigado a fazer, acabaram por provocar um outro problema: uma úlcera gástrica, que acompanhou Nelson até o fim de sua vida. 
Enquanto isto, Mário Filho vai crescendo no mundo esportivo, renovando  as reportagens esportivas, e inventando eventos, como o concurso das escolas de samba. Organiza os campeonatos modernos, dinamiza as torcidas, transforma o Fla-Flu no grande acontecimento dos domingos. Acaba recebendo uma proposta para se tornar sócio do Jornal dos Sports. Daqui em diante a vida financeira dos Rodrigues melhora definitivamente.
A estas alturas Joffre, o irmão ao qual Nelson era mais apegado, contrai tuberculose e morre. Nelson se sentiu muito responsável pela transmissão da doença, e acompanha toda a fase final de Joffre, em Correias. Com a morte de Joffre, Nelson passa a se torturar com sentimentos de culpa. Entra em depressão, ficando quase quinze dias sem comer. Acabou ele próprio tendo uma recaída da tuberculose, e vai precisar se internar por mais três meses no Sanatorinho.[27] Ao voltar, assume a coluna de arte lírica, responsabilizando-se pelas críticas das óperas, o que foi lhe dando uma grande experiência em termos de carpintaria teatral.
Aos vinte e cinco anos Nelson se casa com Elsa, a quem conhecera na redação de O Globo. E seu casamento em nada ficou devendo aos enredos de seus folhetins. Para vencer a oposição da mãe dela, que era contra o casamento, Nelson precisou se batizar, estudar o catecismo, fazer a primeira comunhão, e casar-se escondido no civil. Logo após o casamento, Nelson pediu para Elsa largar O Globo Juvenil, de forma a encontrá-la sempre em casa, “de banho tomado, vestida e cheirosa” à espera dele.
Com seis meses de casamento, Nelson ficou temporariamente cego. A tuberculose deixara como seqüela uma infeção, numa época em que não havia ainda antibióticos. Tratado com anti-inflamatório, sua visão voltou, porém com uma perda de trinta por cento nos dois olhos. E Nelson se recusava a usar óculos. Mesmo quando ia ao Maracanã, quando então ele só via vultos correndo atrás da bola. Adivinhava o que estava se passando no campo pelos sons que ouvia a torcida fazendo. Ou então precisava que  alguém irradiasse o jogo para ele. Para se compreender o que este evento deve ter significado para Nelson, é preciso lembrar a sua emocionada crônica sobre sua filha Daniela.[28]
Quando Elsa engravidou, em meados de 1941, impressionado com o sucesso das chanchadas, e precisando ganhar mais dinheiro, Nelson  inicia sua trajetória no teatro.
Tentando seguir a tendência da época, Nelson começa a escrever sua primeira peça, A Mulher sem Pecado. Tinha a intenção de fazer uma peça engraçada. Mas logo a peça ganhou um tom dramático, e se transformou num tenebroso drama.[29] A peça foi montada  com o elenco da Comédia Brasileira, no Teatro Carlos Gomes. Ficou duas semanas em cartaz. Alguns críticos não gostaram, entre eles, o de seu próprio jornal. Roberto Marinho, que tinha gostado da peça, acabou por despedi-lo, ao ouvir o elogio que Manual Bandeira fez a Nelson: “Esse rapaz, o Nelson, tem um grande talento. A peça é formidável!”. [30]
Independente da crítica, a  estréia da peça entusiasmou Nelson,  que naquela mesma noite, ao voltar para casa, começa a escrever Vestido de Noiva, peça que foi concluída em uma semana. Nelson sempre procurou esconder este fato, porque achava que  isto iria diminuir a opinião das pessoas sobre a qualidade da peça. A ousadia do texto assustava Elsa, que datilografava a  peça,  pois algumas vezes ela ligava para a redação reclamando: “Nelson, você deve ter errado. A peça não faz sentido. Não estou entendendo nada”. Uma das vinte cópias batidas foi entregue a Manuel Bandeira, que sobre ela escreve:
Nelson é um poeta. Talvez não faça nem possa fazer versos. Eu sei fazê-los. O que me dana é não ter como ele esse dom divino de dar vida às criaturas da minha imaginação.  [31]
Bandeira estava se referindo ao fato do público estar acostumado com as facilidades das chanchadas. Vestido de Noiva tinha uma construção complexa: a ação se passa em três planos: realidade, memória e alucinação da heroína. Alaíde que foi atropelada no largo da Glória está sendo operada. A peça relata a realidade: seu atropelamento, as notícias anunciadas pelos jornaleiros, a operação da moça. Mas relata também duas dimensões relacionadas com a própria Alaíde: suas memórias de um passado real, e as alucinações retiradas de sua imaginação delirante. Os flash-backs e as mudanças de planos eram freqüentes. Os personagens passavam de uma dimensão para a outra em segundos. A montagem era evidentemente muito difícil, para uma época em que os atores nem decoravam seu texto.  Os profissionais de teatro desencorajavam Nelson, dizendo que era a peça impossível para o palco
Nelson distribuía cópias  pelo Rio de Janeiro,  pedindo aprovações por escrito,  arrancando  bilhetes elogiosos dos amigos. Depois  mostrava para os possíveis produtores. Mas mesmo alguns amigos achavam a peça complicada. Um deles, seu amigo Henrique Pongetti dizia:
A peça é um caos. Ninguém vai saber quem é quem. Nem os intérpretes vão se identificar com os personagens.  [32]
Finalmente o grupo Os Comediantes resolveu montar sua peça. Com a estréia de Vestido de Noiva em 28 de dezembro de l943, o talento de Nelson foi reconhecido. Até Carlos Lacerda, que futuramente vai atacá-lo tanto, chegou a dizer numa conferência no Teatro Phoenix, que “Nelson Rodrigues estava revolucionando a linguagem do teatro mundial”.[33] Entre outras coisas a imprensa dizia que “a Semana de Arte Moderna de l922, chegara enfim ao palco e que Nelson estava para o teatro como Carlos Drummond para a poesia, Villa-Lobos para a música, Portinari para a pintura e Oscar Niemeyer para a arquitetura”. [34]
Logo depois da estréia, em fevereiro de 1944, Freddy Chateaubriand oferece a Nelson um salário irrecusável, e ele se transfere para os Diários Associados.[35] Pouco tempo depois começa a escrever um folhetim para O Jornal. Assina com o pseudônimo de Susana Flag, porque não queria ser conhecido como o autor de uma literatura menor. Mas o estilo era inconfundível. A começar pelo título: Meu Destino é Pecar.[36] O folhetim levantou a tiragem de O Jornal, que passou de três mil exemplares para doze mil, em apenas quatro meses. Lançado em livro, vendeu  mais de trezentos mil exemplares. Chegou até a virar novela de rádio, nas emissoras Associadas.
 Os Chateaubriand insistem com Nelson para que ele continue a escrever folhetins. Assim Susana Flag volta às páginas com Escravas do amor, outro sucesso arrasador, e que se transformou em livro, repetindo a carreira do primeiro. Na verdade, Susana Flag quase toma o lugar de Nelson Rodrigues, tornando-se um nome nacionalmente conhecido.
Em  1945,  sobrava pouco salário para Nelson, uma vez que ele continuava a  ajudar a mãe, que a estas alturas morava já num endereço fixo, na rua General Glicério, em Laranjeiras. Nenhuma das irmãs Rodrigues havia ainda se casado. Em parte por interferência dos irmãos. As mudanças liberais do pós-guerra não chegavam ao interior da família Rodrigues. Por exemplo, nem a mãe nem irmãos gostavam que as moças fossem à praia; o uso das duas peças era terminantemente proibido. Homem, dentro de casa, somente o professor de inglês, mesmo assim, de forma muito controlada, e por pouco tempo. Mesmo dentro de casa, as moças usavam vestidos com mangas compridas, cujo comprimento ia até a canela, sendo indispensável as meias e a combinação. Sair à noite, só com um dos irmãos. Até Stella, médica, e com trinta e cinco anos, só podia trabalhar até as seis horas da tarde. E mais: “Nas festinhas domésticas, quase sempre apenas em família, se um dos irmãos quisesse tirar uma irmã para  dançar, tinha de pedir permissão a dona Maria Esther. Os Rodrigues não se beijavam uns aos outros e nem se faziam afagos físicos, mesmo um inocente cafuné”. [37]
No fim de l945 a reputação de Nelson como teatrólogo estava consolidada. Suas duas peças voltaram a ser encenadas no Teatro Phoenix,[38] com Os Comediantes, o mesmo grupo que tinham atuado na estréia de Vestido de Noiva. Cada peça ficou dois meses em cartaz, com lotação esgotada.  Nelson tinha feito algumas modificações em A Mulher sem Pecado, introduzindo um monólogo para Lídia, no terceiro ato:
...o que fez com que Stella Perry fosse aplaudida em cena aberta todas as noites. Não era um papel comum de mulher bonita, mas o de uma mulher que não tinha culpa de ser bonita, honestíssima - e casada com um demente. (...) Na versão original, o paralítico colérico era um dono de jornal, com todos os traços de Mário Rodrigues. Para a nova encenação, Nelson transformou-o num industrial e foi assim que ele ficou, porque aquela se tornou a versão definitiva da peça. [39]
Para garantir que o público entendesse suas peças Nelson continuava a escrever sobre ele próprio, usando pseudônimos. Como Grock, por exemplo, iria escrever:
Os personagens, movendo-se na sombra e na luz, parecem possessos. E não sabemos se possuídos de Deus ou do demônio. Nelson Rodrigues faz psicologia em profundidade, faz o que poderíamos chamar de psicologia abissal. [40]
No entanto, ele não precisava se preocupar, porque tinha conseguido consolidar sua reputação como autor dramático. Isto até escrever  Álbum de Família. Com data de estréia marcada para 17 de fevereiro, a peça foi interditada pela Censura em janeiro
A proibição da peça foi vista como um perigoso precedente de censura à imprensa e ao livre pensamento. Mas os intelectuais se dividiram. Alguns combateram a interdição da peça, outros a defenderam, achando que Álbum de Família tinha passado dos limites, e que a sua liberação seria uma ofensa contra a família brasileira. Achavam que se a peça fosse liberada poderia realmente vir a incentivar o incesto. Nelson sustentou quatro meses de luta pela liberação, repetindo pelos cafés e redações do Rio de Janeiro a sua perplexidade:
Mas como podem censurar? Álbum de Família é uma peça bíblica. Então teriam que censurar também a Bíblia, que está varada de incestos! [41]
Quando sentiu que o veto seria mantido Nelson publicou a peça em livro. Surgiram críticas à peça, como teatro de má qualidade.[42] Tentando inutilmente liberar sua peça, Nelson acabou sendo o pivot de um debate onde jornalistas e escritores declinavam sua adesão ou sua discordância ao veto da censura. Este debate será apresentado mais adiante.
Para se refazer da interdição de Álbum de Família, Nelson escreve O Anjo Negro e Senhora dos Afogados. Todas duas também censuradas. Desta vez nem todos os seus amigos o apoiam na luta contra a censura. Em parte em função do tema de uma das peças: o racismo contra o negro no Brasil. E pelo fato de Nelson querer dar o papel principal para Abdias do Nascimento. No Brasil os papéis de negros ainda eram representados por brancos que pintavam o rosto de negro, ao estilo de Al Johnson. Mas Nelson conseguiu liberar a peça.[43] Novamente um sucesso de dois meses. Quanto a Senhora dos Afogados, Nelson tentou uma estratégia achando que  daria certo. Sugeriu ao ministro da Justiça que a censura fosse feita por uma comissão de intelectuais. O ministro, com boa vontade, deixou a escolha a critério de Nelson. Ele poderia ter facilmente indicado alguns de seus amigos ou admiradores, como Manuel Bandeira. Porém, preferiu ser imparcial , indicando os nomes de Alceu Amoroso Lima, Olegário Mariano e Gilberto Freyre, moralmente insuspeitos. Nelson tinha certeza da liberação, com dois votos a seu favor e um contra (o de Alceu Amoroso Lima). Mas para sua  surpresa, Olegário Mariano, que o conhecia desde sua infância, e tinha sido amigo de seu pai,[44] acabou votando contra.
Aos poucos a admiração inicial que Nelson causara, iria diminuindo. Augusto Frederico Schmidt tinha lhe perguntado o motivo da insistência na torpeza. Manuel Bandeira reagira mais friamente à leitura de Senhora dos Afogados, e acabara por lhe perguntar: - “Por que você não escreve sobre pessoas normais?”. Nelson não teve coragem de responder que suas peças tratavam de pessoas tão normais, como ele próprio, como Bandeira, e como todo mundo. Bandeira poderia se ofender, e achar que estava sendo chamado de anormal. Para tentar responder a estes amigos Nelson escreve o que muitos consideram sua obra prima: Dorotéia.
Mas o estigma do autor maldito estava formado. Isto se reflete em seu famoso depoimento à revista “Dyonisos”, em 1949:
Com Vestido de Noiva, conheci o sucesso; com as peças seguintes,  perdi-o  e  para  sempre.  Não há nessa observação nenhum  amargor,  nenhuma dramaticidade. Há simplesmente, o reconhecimento de um fato e sua aceitação. Pois, a partir de Álbum de Família - drama que se seguiu a Vestido de Noiva -enveredei por um caminho que pode me levar a qualquer destino, menos ao êxito. Que caminho será esse? Respondo: de um teatro que se poderia chamar assim - desagradável. Numa palavra, estou fazendo um ‘teatro desagradável’, ‘peças desagradáveis’. No gênero destas, incluo desde logo Álbum de Família, Anjo Negro e a recente Senhora dos Afogados. E por que ‘desagradáveis’? Segundo já disse, porque são obras pestilentas, fétidas, capazes , por si sós, de produzir o tifo e a malária na platéia. [45]


[1] Pela ordem, Miltlson, Roberto(?), Mário Filho, Stella, Nelson, Joffre, Maria Clara, Augustinho, Irene, Paulinho, Helena, Elsinha, Dulcinha.
[2] Ruy Castro, O Anjo Pornográfico: a vida de Nelson Rodrigues, pp. 2l-22.  Pequenos incidentes da vida diária iriam organizando o mundo fantasmático de Nelson. Desde acontecimentos cotidianos até situações dramáticas. Incidentes simples como sua primeira ida ao cinema, em 1916, vai lhe dar margem para registrar uma época:  “Quando apagou a luz, nasceu na treva uma misteriosa e tristíssima fauna de tosses”; no final do filme, uma descoberta:  Olhei e vi: - lá estava ela, num canto da sala de espera. Era uma escarradeira e flor: - subia por um caule fino para se abrir em lírio (...) Linda, linda, imitando um lírio ou um copo-de-leite(pag. 18). Nelson ainda viveu  vestígios da Belle Époque: parto em casa, velório em casa, escarradeira na sala, bronquites. Além deste quotidiano, outros acontecimentos mais graves e trágicos marcaram Nelson. Os personagens com querm conviveu acabam formando seu lastro poético. A morte de um vizinho, registradao em sua memória lhe dá o  mote para uma das várias crônicas através das quais Nelson chora e faz o luto pela morte de Guimarães Rosa:  -: A grande dor não se assoa. SuaA vizinhança era pródiga em tragédias, como o suicídio a que Nelson presenciou e viveu: o suicídio da menina que foi seu primeiro amor, e que morreu queimada. Nelson presenciou a cena: “... a própria menina irrompia, em fogo. Ensopara o vestido em querosene, riscara um fósforo e agora ardia como uma estrela”. Nelson Rodrigues, O Óbvio Ululante, p. 41. (pag. 41)
[3] Ver a crônica Pirâmides e biscoito, emem Nelson Rodrigues, O Óbvio Ululante, p. de Nelson Rodrigues, pag. 18.
[4] Talvez como influência de dois grandes acontecimentos vividos por Nelson: a Gripe Espanhola, que matou 15 mil pessoas no Rio de Janeiro,  e o Carnaval da Ressureição, em 1919. O  tema da morte se mistura com a luxúria do sexo, porque para responder à epidemia da ‘Espanhola’ o Rio de Janeiro produz o ‘carnaval da ressureição’ . , Ruy Castro, O Anjo Pornográfico - a vida de Nelson Rodrigues, p. 26.p. 26
[5] Depoimento de Nelson Rodrigues, em Entrevista para o Ciclo do Teatro Brasileiro do Museu da Imagem e do Som, em 30/06/67.
[6] Op. cit., p.  Pag. 28.
[7] Como Rocambole de Ponson du Terrail; Os amantes de Veneza de Michel Zevaco, O conde de Monte-Cristo de Alexandre Dumas; os fascículos de Elzira, a morta-virgem, de Hugo de América.
[8] Nelson foi expulso por rebeldia: questionava os professores, insistindo que eles justificassem aquilo que estavam dizendo. Começou a tirar notas baixas e zeros, o que só fazia acentuar  sua veia mordaz e sarcástica.  
[9] Mas, E, com tantos filhos, ela  não podia dar conta de tudo. Aos onze anos Nelson já fumava bastante, no caminho do pai que “acendia cigarros e charutos uns nos outros”. Ruy Castro, O Anjo Pornográfico - a vida de Nelson Rodrigues, p. 26.
[10] Op. cit., p.   Idem, p. 40
[11] Op. cit., p.  Idem, p. 40

[12] Em sua angústia, Nelson isolava-se em seu quarto ou na Quinta da Boa Vista, com os livros que podia: Os miseráveis e O homem que ri de Victor Hugo, Naná e Germinal de Émile Zola; Contos de Hoffman; Amor de perdição de Camilo Castelo Branco e muito Machado de Assis, e Eça de Queiroz.
[13] Nelson passa a conviver com repórteres e escritores importantes. A Manhã teve alguns colaboradores ilustres: Monteiro Lobato, Antônio Torres, Agripino Grieco, Medeiros e Albuquerque, Ronald de Carvalho, Maurício de Lacerda, Zeca Patrocínio. Entre os fixos: Danton Jobim, Orestes Barbosa e Renato Viana. Joracy Camargo, Odilon Azevedo e Henrique Pongetti, todos ainda muito  eram jovens ainda. Sem esquecer Apparicio Torelly, -   o futuro Barão de Itararé, título que ele próprio se atribuiu, -  com sua coluna diária Amanhã tem mais, de muito sucesso entre os leitores.
[14] Nome que se dava à dupla de repórter e fotógrafo.
[15]  Ruy Castro lembra o seguinte: “Numa cidade lindamente sem assaltos como o Rio, em que a captura de um ladrão de galinhas era uma sensação, quase todos os crimes envolviam paixão ou vingança. Maridos matavam mulheres por uma simples suspeita, sogras envenenavam genros, porque estes não lhes tinham dado bom dia aquela manhã e casais de namorados faziam pactos de morte como se estivessem marcando um encontro no ‘Ponto Chic’ ”.  Ruy Castro, O Anjo Pornográfico - a vida de Nelson Rodrigues.
[16] Sobre isto diz Ruy Castro: “...Os namorados se matavam tomano veneno com açucar, sendo o veneno quase sempre formicida, permanganato de potássio ou um desinfetante chamado ‘Lysol’. O açucar emprestava à beberagem um sabor terrivelmente simbólico, assim como os locais que eles escolhiam para morrer: a Cascatinha, o Silvrestre ou Paquetá - todos cenários de cartão-postal.”“...Os namorados se matavam tomando veneno com açúcar, sendo o veneno quase sempre formicida, permanganato de potássio ou um desinfetante chamado ‘Lysol’. O açúcar emprestava à beberagem um sabor terrivelmente simbólico, assim como os locais que eles escolhiam para morrer: a Cascatinha, o Silvestre ou Paquetá - todos cenários de cartão-postal.”.   Op. cit., p.  48
[17] Milton, Roberto e Mário Filho.
[18] É interessante notar como esta paixão de adolescência acaba marcando, como uma herança, o personagem de Jonas, interessado apenas por meninas de 15 ou 16 anos de idade.
[19] O jornal tinha um estilo malcriado e bastante agressivo. Por exemplo, em março de 1929, publicava na primeira página uma foto do conde Francisco Matarazzo que ocupava quatro colunas, com a palavra “Ladrão” estampada em sua testa, acusando-o de irregularidades nos negócios com o café. Artur Bernardes, ex-presidente, era chamado de “Caim”, “excelso canibal”, “hiena insaciável”, “urubu sanguinolento”, etc.  Op. cit., p. (Pag. 68. ?)
[20] Op. cit., p.  Idem, p. 69.
[21] Op. cit., p.  Pag. 70.
[22] Num artigo de 1929, em Critica, Roberto Rodrigues chamou o Salão de “arapuca”, afirmando que “ser membro do júri da exposição oficial é uma profissão leve, como a do gigolô”. Segundo ele “os jurados eram mestres em trocar favores, aceitar suborno das lojas de material de pintura e exercer uma política mesquinha para conceder o cobiçado prêmio de viagem” a Paris. Op. cit., p.  76.
[23] Op. cit., p.  96-97.
[24] Op. cit., p.  110.
[25] Op. cit., p.  116.
[26] Por não ter um diagnóstico correto no início, Nelson foi submetido ao tratamento habitual para febres não identificadas: arrancaram todos seus dentes, quase perfeitos. E  ele, aos 21 anos de idade, foi obrigado a usar dentaduras.
[27] No que diz respeito a seu patrão, Roberto Marinho, Nelson sempre fez uma observação de gratidão: em todas as suas internações ele nunca deixou de pagar integralmente seus salários. Já Samuel Wainer, apesar de ser da esquerda, não agiu da mesma forma. Quando Nelson, por motivos de saúde, precisou se afastar de sua coluna, na Ultima Hora, não somente teve seu salário suspenso, como ainda teve o desgosto de ver crônicas antigas serem publicadas, durante todo o período de sua doença, como se nada estivesse acontecendo.
[28] Ver Anexo III, para a reprodução de A Menina sem Estrela.
[29]  É o próprio Nelson quem informa este fato. “E aí comecei a escrever e exatamente no meio da primeira página, o negócio virou uma peça tenebrosa. E foi assim até o fim. A peça que se impôs, a peça que tem a sua autonomia própria, a sua autodeterminação. Seu clima, tudo estava lá muito bem disposto”. Nelson Rodrigues, Depoimento V, p. 123.
[30] Ruy Castro, O Anjo Pornográfico - a vida de Nelson Rodrigues,  p. Pag. 155.
[31] Ruy Castro, O Anjo Pornográfico - a vida de Nelson Rodrigues.
[32] Op. cit., p. 161.
[33] Op. cit., p.  Pa. 176
[34] Op. cit., p. Idem, pp. 176
[35] Nelson passou a ganhar um salário invejável, saindo de 700 mil reis para cinco contos de réisEm fevereiro del944, Freddy Chateaubriand, levou Nelson para os Diários Associados. Dos 700 mil reis que Roberto Marinho lhe pagava, Nelson passou a ganhar um salário invejável de cinco contos de réis. Por isto Nelson abandonou O Globo na rua Beethancourt da Silva, onde ficara durante treze anos, e foi para a Rua do Livramento, sede  das revistas O Guri, Detetive, A Cigarra e ”e “O Criuzeiro. Nelson seria o diretor de redação de Detetive e de O g\Guri. O Cruzeiro era uma revista de muito prestígio. Suas estrelas eram  a dupla de reportagem David Nnasser-Jean Manzon, Franklin de Oliveira com a seção Sete dias, O Pif-paf de Vão Gôgo ou Millor Fernandes, a crônica de Rachel de Queiroz, e O amigo da onça de Péricles. Sucesso total no país inteiro. Qualquer pessoa citada em O Cruzeiro  virava nome nacional, e  Nelson vivia sendo citado, através de artigos que ele próprio escrevia e que outros assinavam por ele.
[36] Interessante é que o folhetim se inicia com uma questão que vai ser exatamente a solução da saga de Senhorinha em Álbum de Família: É possível uma mulher matar seu marido?, pergunta-se Nelson. A história começava com um plágio de Rebeca, a mulher inesquecível, de Daphne du Maurier. Ocorre um casamento entre uma jovem e um viúvo dominador, que não consegue esquecer a sua primeira mulher, que era linda e inteligente. Deste ponto em diante surgia o dedo casamento entre uma jovem feia e ingênua e um viúvo dominador que não conseguia esquecer a primeira mulher - linda, inteligente, fabulosa -, todos morando numa fazenda isolada. Até aí era um plágio de “Rebeca, a mulher inesquecível”, de Daphne de maurier, que Nelson vira no filme de Hitchcock com Joan Fontaine e Laurecen Olivier (...) Mas, dali para frente, sentia-se o dedo rodrigueano: a primeira mulher morrera estraçalhada por cachorros em situação misteriosa. O viúvo, aleijado de uma perna, tinha um irmão irresistível que passara a dar em cima da nova cunhada. Ao mesmo tempo este irmão tinha uma amante escondida, na floresta perto da fazenda. “Esse irmão tinha uma amante escondida na floresta e, dentro da casa da fazenda, havia uma prima a fim do viúvo. Os dois irmãos tinham uma mãe dominadora e as subtramas ficavam por conta de um pelotão de irmãs solteironas e virgens. Op. cit., p.    (pag. 185.)
[37] Op. cit., p.  Idem p. 192
[38] O Tteatro Phoenix não existe mais. Ficava na esquina de Almirante Barroso e Rio Branco. Foi derrubado para construírem o edifício Marquês de Herval.
[39] Esta descrição feita por Ruy Castro se encaixa como uma luva no casal de Álbum de Família. Op. cit., p.  195P.
[40] Ruy Castro, O Anjo Pornográfico - a vida de Nelson Rodrigues, p.193/194. Este trecho da reportagem que ele escreveu sob o nome de Grock mostra o quanto ele conhecia Freud. Apesar disto, ele muitas vezes insistiu no fato de nunca ter lido nada sobre psicanálise. Seus críticos, sim, talvez não tivessem lido; parecem ter tomado a expressão “psicologia abissal” como se fosse de Nelson Rodrigues, e ela foi utilizada em mais de uma artigo da crítica teatral. (Pag. 193/194)
[41]  Op. cit., p.  197
[42] Opinião, por exemplo de Álvaro Lins, que deu início a uma prolongada polêmica através dos jornais..
[43] Paradoxalmente esta peça foi liberada, mantendo-se a interdição contra Álbum de Família. Affonso Machado, um crítico e futuro ator, na estréia da peça listava os crimes cometidos pelos personagens de Anjo Negro: “homicídios com agravantes, indução à lascívia, três infanticídios, adultério, corrupção de menor, lesões corporais graves, estupro e cárcere privado”, e especulava se Nelson estava querendo concentrar em três atos “todos os delitos previstos no Código Penal”.  Outras críticas falavam dos incestos, suicídios, violações de virgens. Acusavam a peça de descer até o “último degrau dos instintos” .  Op. Cit., p. 202.
[44] Olegário Mariano abrigou toda a família Rodrigues, quando Elsa chegou de Recife trazendo todos os filhos, e encontrou Mário Rodrigues  desempregado.
[45] Pag. 213.Nelson Rodrigues, Teatro Desagradável, em Dionysos, Ano I, no. 1, p.17