quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Tabaco e suas Consequências

A Organização Mundial da Saúde (OMS)considera que o tabagismo é uma das causas de morte que pode ser evitada. As estatísticas mostram que é muito grande o número de fumantes no mundo, chegando a envolver um terço da população mundial (1 bilhão e 200 milhões de adultos). As pesquisas indicam ainda que 47$ dos homens e 7% da população feminina (200 milhões), fumam. "Enquanto nos países em desenvolvimento os fumantes constituem 48% da população masculina e 7% da população feminina, nos países desenvolvidos a participação das mulheres mais do que triplica: 42% dos homens e 24% das mulheres têm o comportamento de fumar". E também é muito grande o total de mortes devido ao uso do cigarro: 4.9 milhões de mortes por ano, o que significa que por dia morrem em torno de 10 mil pessoas. O relatório da Organização Mundial de Saúde sugere que se estas tendências permanecerem, em 2030 vamos ter 10 milhões de mortes anuais, onde a metade das pessoas estão entre 35 e 69 anos. (WHO, 2003). Caso as atuais tendências de expansão do seu consumo sejam mantidas, esses números aumentarão para 10 milhões de mortes anuais por volta do

domingo, 10 de novembro de 2013

Alcoolismo Feminino e seus Estereótipos



Este texto foi extraído da minha tese de doutorado: Alcoolismo Feminino: Conhecer para Prevenir, defendia no Programa de Saúde da Criança e da Mulher, no Instituto Fernandes Figueira/FIOCRUZ, em 2006, com orientação da Dra. Maria Cecília Minayo.

CAPÍTULO II
A QUESTÃO FEMININA

O que falta à mulher deve ser expiado pelo homem e corrigido nele... porque é o homem que se cria a imagem da mulher e a mulher que se conforma seguidamente segundo essa imagem – És demasiado benevolente para com as mulheres – disse um dos que ali estavam – não as conheces. O sábio respondeu: - O gênero do homem é a vontade, o da mulher, a submissão... tal é a lei dos sexos e uma dura lei para as mulheres! Todos os humanos são inocentes em sua existência, e as mulheres o são à segunda potência; quem poderá ter com elas suficiente doçura, suficiente brandura? (Nietzsche, 1981:87).

1. O Mal Estar Feminino
O uso das drogas responde a várias determinações históricas e culturais. E só é possível entender este fenômeno através de uma visão transversal que faça um entrelaçamento dos aspectos políticos, econômicos, religiosos, psicológicos e médicos e culturais (MINAYO, 1993, MINAYO & DESLANDES, 1998, CRUZ & FERREIRA, 2001).
Quando Freud (1930/1948) analisa a questão das drogas, em O Mal Estar da Civilização, ele parte do pressuposto que é impossível fazer uma psicologia individual que não seja ao mesmo tempo uma psicologia social, já que estes dois pólos estão intimamente ligados. Nas relações que o indivíduo mantém com seu contexto social, é preciso levar em conta determinismos sociais e psíquicos, sem entretanto retirar a importância das duas dimensões. A dimensão individual, precisa ser valorizada em paralelo à apreensão da dimensão social. Existe uma ação recíproca de uma instância sobre a outra. O indivíduo deve ser visto como um ator social, dotado de relativa autonomia e liberdade, que se insere dentro de um “contexto social que o precede e que lhe designa um lugar” (NASCIUTTI, 1996:54). Porém é preciso levar em conta que ele também institui esta cultura, já que se inscreve nela como “um sujeito psíquico, dotado de pulsões, de afetos, defesas, projeções, identificações e desejos, constituinte do social que o constitui” (NASCIUTTI, 1996:54).
Dentro dessa mesma linha de pensamento diversos autores entre os quais destaco Cruz e Ferreira, (2001) e Minayo & Deslandes (1998), pensam ser imprescindível este enfoque construccionista da dimensão sócio-cultural para a compreensão e abordagem das toxicomanias, quando se tem em vista o trabalho em saúde mental.
(.....)
6. Alcoolismo Feminino e seus Estereótipos
Segundo estudos recentes do CEBRID (CARLINI, 2001), as taxas brasileiras de alcoolismo mostram que a proporção de mulheres envolvidas com este problema ainda é pouco expressiva comparativamente à população masculina. No Brasil, 5,7% das mulheres são alcoólicas para 17,1% dos homens.  Segundo Souza (2006), no entanto, o aumento relativo se faz sentir em alguns serviços de atendimento onde se observa um crescimento do número de mulheres que fazem uso de bebida alcoólica, inclusive durante a gestação. Esse grupo vem subindo, conforme constatam as pessoas que estão na ponta do atendimento clínico. Observa-se que a mulher está adoecendo e morrendo de doenças que até então não faziam parte do universo feminino de forma tão expressiva. Nesse sentido se destacam os agravos oriundos do abuso de bebidas alcoólicas (SOUZA, 2006).
Ao consumo abusivo do álcool, somam-se distúrbios psicológicos que podem levar ao desenvolvimento da anorexia alcoólica, termo americano cunhado para se referir à substituição da alimentação por bebidas alcoólicas. Este fenômeno ocorre em geral em mulheres mais jovens, até os 40 anos de idade. O termo é uma "gíria não médica que se refere a mulheres que escolhe comer menos de forma a que elas possam festejar mais intensamente, sem ganhar peso" (CHAMBERS, 2008:414). Como benefício secundário, está o fato da bebida fazer um efeito mais rápido em função do estômago vazio. Trata-se de um fenômeno clínico novo, que tem interesse não apenas para a adictologia, como também para o campo do duplo diagnóstico psiquiátrico. Em fevereiro de 2008, Chambers (2008) fez um levantamento no Google, que acusou 9.220 links para o termo drunkorexia. Por curiosidade, repeti o mesmo levantamento, em fevereiro de 2010, tendo o mesmo mecanismo de busca acusado 160 mil links. Isto mostra um interesse bem acelerado por este fenômeno que possivelmente deve ser decorrente, entre outros motivos, do aumento de sua freqüência.
Para Gigliotti (2008), chefe do setor de Dependência Química da Enfermaria de Psiquiatria da Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, o alcoolismo feminino quase sempre está associado com transtornos de ordem psicológica. Além da depressão e da ansiedade, podem ser citadas também a bulimia e a anorexia:
O álcool se torna uma forma de anestesiar as emoções negativas e, no caso das que valorizam um corpo magro, a bebida ajuda a diminuir a compulsão pela comida e ainda reduz o apetite. Elas também passam a controlar as calorias dos alimentos. Recebemos muitas mulheres que estão no peso ideal, mas completamente desnutridas. O álcool, além de não alimentar, rouba uma série de nutrientes do organismo (GIGLIOTTI, 2008:8C).
Essa informação é complementada pela diretora do Programa de Assistência a Pessoas com Problemas Relacionados ao Uso de Álcool e Drogas (UNIPRAD), que afirma ser a troca da comida pela bebida mais comum do que se pensa. Por seu efeito sedativo, o álcool provoca uma sensação de perda de apetite, ou faz a pessoa dormir, ao invés de comer. “A bebida se torna o foco da vida do alcoólatra. Quem bebe para se entorpecer quer sentir os efeitos do álcool o quanto antes e beber de estômago vazio ajuda a acelerar estes efeitos”, diz ela (WAISMAN, 2008:8C). Quando a dependência se instala, a pessoa vai sempre priorizar o álcool e não o alimento.
Também a clínica do Hospital Israelita Albert Einstein já mostrou sinais de atenção para com este fenômeno. Seu site explica a formação do termo a partir da junção das palavras drunk (embebedado, em inglês), e a disfunção alimentar anorexia, que se caracteriza pela perda de apetite, e por preocupações obsessivas em relação à aparência ou magreza. Segundo este site, o período de maior vulnerabilidade para o estabelecimento de dependências ocorre entre os 12 e os 15 anos. Neste período, em função da preocupação com sua aparência, muitas meninas começam a sofrer de anorexia. Amy Winehouse ou Britney Spears, musas da música pop, que fazem uso de combinações de álcool com drogas com pouca ou nenhuma comida, acabam servindo de modelo para as identificações de jovens adolescentes.  Levando em conta que o álcool precisa de água para se diluir, o alcoolismo evolui mais rapidamente nas mulheres do que nos homens, já que elas possuem mais gordura e menos quantidade de água, no corpo. Se existir um contato mais próximo com bebidas alcoólicas, as chances das adolescentes tornarem-se dependentes são maiores. Entre os sinais que apontam a presença da drunkorexia encontram-se a distorção da imagem corporal (pois as pacientes podem achar que são gordas, mesmo quando são bem magras), indução ao vômito, exagero de exercícios físicos, uso de laxantes e drogas para aplacar a fome como anfetaminas ou mesmo cocaína, preocupação excessiva com a alimentação e com a manutenção de uma aparência magra. Esse problema está sendo um tema tratado na novela Viver a Vida, levada ao ar pela da Globo no período compreendido entre o segundo semestre de 2009 e o primeiro de 2010
Nicastri (2005:1), enquanto coordenador do Programa de Álcool e Drogas do Hospital Israelita Albert Einstein, comenta o crescimento do alcoolismo entre mulheres, destaca que “a mulher tem conquistado a igualdade com os homens para o bem e para o mal”, considerando que é cada vez maior o número delas com dependência de álcool.
O II Levantamento Domiciliar realizado pelo CEBRID revelou um agravamento nos indicadores de uso de álcool, sendo a estimativa da dependência feminina de 6,9%, comparada a 19,5¨% dos homens, dentro de um total de 12,3% de dependentes. Estas cifras acusam um aumento em relação ao estudo anterior realizado em 2001, que indicava a proporção de uma mulher alcoólatra para cada dois ou três homens.
Apesar do aumento verificado, a porcentagem ainda é inexpressiva se comparada aos homens. Algumas razões podem ser sugeridas para explicar este fato, e são apontadas por Carlini et al. (2001/2005). Uma delas pode ser o preconceito contra a mulher embriagada. Existem estereótipos, que acabam funcionando em duas direções. Por um lado, servem como força protetora, repelindo o envolvimento da mulher com o abuso de álcool. Por outro lado, eles funcionam no sentido de fortalecer defesas contra a exposição da mulher, o que por sua vez, dificulta o acesso feminino aos centros de tratamento.
Entre 1992-1993, a Organização Mundial de Saúde, em colaboração com a ONU, financiou uma avaliação mundial sobre o abuso de drogas na população feminina. Este estudo foi feito em 27 países, inclusive no Brasil, revelando que o alcoolismo não se restringia à população masculina, e que certas características do papel feminino funcionavam como uma poderosa proteção contra a demanda de drogas. As responsabilidades familiares acabam sendo assumidas pelas mulheres, quando seus companheiros fazem uso abusivo de drogas. Elas passam então a proteger e a sustentar economicamente as famílias. O desempenho desse papel é incompatível com o consumo do álcool. Neste sentido, certas expectativas em relação à identidade feminina acabam servindo como fatores de proteção em relação ao abuso do álcool.
Os estereótipos funcionam também no sentido de fortalecer defesas contra uma exposição maior da mulher, o que acaba dificultando o acesso feminino aos centros de tratamento. Isto porque o alcoolismo pode se tornar um estigma bastante depreciativo que desacredita a pessoa por meio de atribuição de qualidades desprezíveis. O alcoolista é percebido como fraco, degradado, ordinário, vagabundo, pária, viciado, sem-vergonha. Esses atributos, quando referidos à mulher, aparecem amplificados e acabam impregnando sua auto-estima. Ao homem é permitida uma liberdade maior, pois o consumo do álcool pode até mesmo adquirir o significado de afirmação de força e masculinidade. Em relação à mulher esta tolerância é muito mais baixa (BOLTANSKI, 1979).
Boltanski (1979), ao estudar os usos sociais do corpo, relaciona pelo menos quatro motivos que, em meu entender, poderiam colaborar para dificultar o acesso das mulheres alcoolistas aos serviços de assistência. Os três primeiros dizem respeito a mulheres que pertencem a classes populares, porém, podem caracterizar eventualmente mulheres de classes mais favorecidas economicamente.
Em primeiro lugar, o estudo de Boltanski leva a acreditar que as representações do corpo, onde é visível certo ideal de força e de resistência física, leva as mulheres das classes populares a procurarem ajuda apenas como um recurso extremo, já que haveria uma valorização da resistência à dor e ao sofrimento. Este autor lembra que dentro de alguns contextos, a bebida alcoólica pode inclusive ser apreciada como um necessário complemento alimentar, quando então, bebe-se para ganhar mais força e energia. Por contraste, nas classes superiores, o ideal de beleza e graça, com certeza, pode ter colaborado para afastar a mulher dos centros de tratamento, por causa da forte estigmatização da mulher que bebe.
Em segundo lugar, a insuficiente representação sobre o alcoolismo feminino, nos estudos sobre saúde mental, pode também ser decorrente de uma habilidade verbal menos sofisticada, pelo menos nas classes populares. Diz Boltanski (1979):
Se os doentes das classes populares se sentem pouco inclinados a se confiar ao médico, é em primeiro lugar porque não possuem o equipamento lingüístico e, mais particularmente, o vocabulário da introspecção e a linguagem das emoções que lhes seria necessária para abrir-se ao médico sobre seus problemas e preocupações mais íntimos. (BOLTANSKI, 1979:59)
Em terceiro lugar, as mulheres que pertencem a classes sociais menos favorecidas economicamente, nem sempre têm muito tempo para escutar a si mesmas e só procuram assistência quando seu sofrimento é de tal ordem que impede o trabalho ou a execução das tarefas domésticas e familiares. Esta situação não ocorre apenas na Europa, pois “a psicologia social americana diz a mesma coisa quando declara, por exemplo, que os membros das classes populares aceitam assumir o papel de doentes menos facilmente que os membros das classes médias ou superiores” (BOLTANSKI, 1979:146).
Finalmente, em quarto lugar, a existência de certo pudor a expor-se pode explicar uma parte da subrepresentação feminina apontada nas pesquisas. Em seu livro As Classes Sociais e o Corpo, Boltanski (1979) desenvolve esta idéia. A expressão verbal de certas sensações corporais é resguardada por proibições e reservas. Ele diz que um pudor dessa ordem não deve ser confundido “com um puritanismo exercido voluntária e conscientemente em nome de princípios éticos ou religiosos determinados” (BOLTANSKI, 1979:147). É possível interpretar que as regras desses tabus são adotadas para evitar estigmatizações sociais. Uma das mulheres entrevistadas nesta pesquisa chegou a usar esta mesma palavra, para se referir ao sigilo quanto ao seu consumo de álcool.
Goffman (1988) contribui de forma seminal para a compreensão de certos fenômenos vinculados aos estigmas. Todos nós incorporamos padrões e valores presentes no contexto sócio-cultural. E essa identificação com os padrões ideais, acaba determinando susceptibilidades em relação aos desvios das normas que são então percebidos como defeitos. A mulher alcoolista recebe a etiqueta de decaída, irresponsável, incapaz de cuidar dos filhos e da família. As freqüentes comparações com um modelo feminino ideal acabam produzindo culpa e mal-estar na pessoa estigmatizada pelo vício, pois ela sente que não corresponde ao que deveria ser. “A vergonha se torna uma possibilidade central, que surge quando o indivíduo percebe que um de seus próprios atributos é impuro e pode imaginar-se como um não-portador dele” (GOFFMAN, 1978:17). Tal fantasia se concretiza através de um mecanismo de defesa, que a psicanálise designa como negação e que determina comportamentos de evitação. A dinâmica de autoproteção atinge inclusive a família, que pode assumir um pacto perverso, tolerando que a mulher beba escondida dentro de casa, desde que isso não resulte em condutas desagradáveis e intoleráveis.  “Condenadas ao sofrimento pelo estigma social, a mulher que tem apetência por uma droga, vê-se obrigada a consumi-la às escondidas, com medo das acusações e até das perseguições legais que sofre por conta de sua adição” (AQUINO, 1997:43).
Os argumentos citados explicam uma parte da subrepresentação apontada nas pesquisas. Com eles pode-se compreender melhor porque as mulheres demoram a procurar serviços de atendimento nos quais a exposição de seu problema levaria fatalmente a uma estigmatização definitiva.
Porém, quando finalmente vence todos os obstáculos e consegue chegar até o serviço de assistência, as mulheres alcoolistas se deparam com outro problema. O mecanismo de negação agora se desloca do usuário para o médico. Pois, o preconceito contamina também o profissional de saúde que sente grande dificuldade para diagnosticar toxicomanias nesse grupo. Pelo menos foi isso que demonstrou um estudo realizado no hospital americano John Hopkins, onde se constatou que o diagnóstico de alcoolismo feminino era ignorado (numa faixa que variava de 34 a 93% das pacientes diagnosticadas), principalmente quando se tratava de mulheres pertencentes a classes sociais mais elevadas. No Rio de Janeiro, só recentemente a Secretaria de Saúde passou a desenvolver programas de capacitação para os médicos da rede pública incluindo processos de sensibilização em relação ao possível consumo de drogas de seus pacientes. Porém, ainda não se pode dizer que a investigação do histórico de consumo de drogas tenha se tornado uma prática médica comum para os pacientes que acorrem aos pronto-socorros ou ambulatórios dos hospitais gerais do SUS, muito menos se o paciente for uma mulher.
Refletindo sobre tal situação Hochgraf e Brasiliano (2004) resumem um somatório de dificuldades. O beber feminino pode passar despercebido principalmente se a mulher não trabalha, mas permanece em casa dedicada às tarefas domésticas e familiares. “Pacientes envergonhadas procuram ajuda indireta, com queixas vagas sobre seu estado de saúde físico ou psíquico. Ao encontrarem médicos não especializados, terminam não sendo diagnosticadas corretamente. Ou então são encaminhadas para serviços que não estão preparados para recebe-las” (HOCHGRAF & BRASILIANO, 2004:2). Complementando esta informação, Aquino (1997:43) nota que “tudo é compreendido como se o metabolismo do homem e da mulher não apresentasse diferenças importantes e o efeito causado pela droga ingerida ou suas motivações para o uso ou abuso fossem as mesmas”.
É preciso ter em mente tais diferenças. As alterações causadas pelas drogas variam de acordo com uma série de fatores (HOCHGRAF E BRASILIANO, 2004; BOBO E HUSTEN, 2000; EDWARDS, 1996; KALINA ET AL, 1999; LIMA, 2003; MINAYO, 1997; VAILLANT, 1997).  Entre eles, estão: as características da substância, a quantidade utilizada, as características das pessoas que as usam (sexo, idade, traços de personalidade), o efeito esperado, e até mesmo as circunstâncias do consumo (ambiente, uso individual ou grupal).
Nóbrega e Oliveira (2005) apontam uma série de circunstâncias próprias ao consumo feminino de bebidas alcoólicas:
Partindo do ponto de vista biológico, as mulheres são metabolicamente menos tolerantes ao álcool do que os homens. Seu peso e a menor quantidade de água corporal, em detrimento da maior quantidade de gordura, associado a menor quantidade de enzimas metabolizadoras de álcool, implica o fato de que a intoxicação ocorra com o uso de metade da quantidade usada pelo homem. A vulnerabilidade para o desenvolvimento de complicações clínicas é maior entre as mulheres, e as mesmas sofrem mais risco de mortalidade que os homens. Também apresentam maior percentagem para desenvolver doenças hepáticas como cirrose, mesmo tendo consumido álcool por um período menor (NÓBREGA & OLIVEIRA, 2005:2).
Como se explica então o tratamento discriminatório que a mulher tem recebido nos serviços de assistência? Certos textos sobre gênero, ao tratar especificamente da questão feminina, oferecem instrumentos para entender tal discriminação.
Em seu artigo Mulheres, Cultura e Desenvolvimento, ao refletir sobre os mecanismos de poder que subjugaram por tanto tempo o mundo feminino, Ávila (1995) fala sobre questões que oferecem subsídios para entender melhor essa discriminação. Dominadas por regras culturais criadas por homens, as mulheres ainda continuam sendo submetidas a modelos criados por uma hegemonia masculina. Em relação ao uso do álcool, é fácil perceber como tal perspectiva psicossocial se encaixa perfeitamente, pois a mulher alcoolista incorpora estigmas que incluem uma série de mitos e crendices. Entre eles está a crença de que o alcoolismo na mulher evolui pior e que ela se degrada muito mais do que o homem. Outra estigmatização é a de que a mulher adere menos ao tratamento do que os homens (HOCHGRAF & BRASILIANO, 2004). 
O Instituto de Pesquisa Europeu sobre Fatores de Risco na Infância e na Adolescência patrocinou um estudo cujo objetivo era levantar informações relacionadas com aspectos especificamente vinculados à identidade de gênero, focalizando as mulheres drogadictas. Entre outras especificidades, este estudo constatou que muitas revelavam um histórico de violência doméstica, de abuso e de negligência. Porém, os pesquisadores apontaram para a insuficiência de dados sobre o processo de formação da identidade feminina (STOCCO, 2000). A constatação de violência, sob suas múltiplas formas, no entanto, é uma constante em uma série de autores, entre os quais podemos destacar rapidamente Schrenker & Minayo (2004), Cruz & Ferreira (2001), Souza (2006), Tucci (2005), entre tantos outros. 
Na verdade, concepções de caráter ideológico acabam criando base para mais uma forma de violência contra a mulher, refletida na discriminação e no desinteresse por modelos próprios de atenção e atendimento. Em relação aos homens, existe um acúmulo de conhecimentos gerados por estudos científicos. Em relação às mulheres tais observações são precárias e insuficientes, como demonstra o levantamento da literatura exposto no Capítulo 1. Recentemente cheguei a fazer outro levantamento no Portal de Teses da CAPES, percorrendo a produção compreendida entre o período de 2008 a 1998 (Apêndice 1). Num total de 944 teses sobre álcool e drogas, apenas cinco (0,28%) tratavam do alcoolismo feminino. O pequeno número de pesquisas impede, inclusive, uma melhor compreensão sobre as novas identidades femininas e suas relações com o consumo indevido do álcool. Indevido, não no sentido legal do termo, porém porque pernicioso à saúde e à qualidade de vida.


quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Marketing das Bebidas Alcoólicas

Marketing das Bebidas Alcoólicas

Há vários anos o álcool vem mantendo o primeiro lugar nos índices de consumo entre as substâncias psicoativas. E esta posição se deve em parte à virtude das propagandas.
Em geral, as empresas de marketing prestam assessoria de alta qualidade não apenas aos setores produtivos, como também aos estabelecimentos comerciais que criam novos espaços para atrair a população de jovens e de trabalhadores. Como ilustração, o Rio de Janeiro, na década de 1980, assistiu a inauguração da Academia da Cachaça, “criada com o objetivo de ser uma casa onde fosse possível conhecer as diferentes variações de cachaça produzidas no Brasil”, conforme é possível ler em seu site. A idéia de uma formação acadêmica em bebidas alcoólicas se ampliou, no início dos anos 1990, com a abertura das Universidades do Chope. Já o consumo dos trabalhadores foi sensibilizado, através da abertura dos diversos Sindicatos do Chope, cadeia de bares próprios para o consumo, que se espalharam pela cidade (de Copacabana ao Leblon, do Leme à Tijuca), e que recomendam medidas específicas “para agüentar o tranco do consumo alcoólico” (VEJA-RIO, 1992:1). A abertura destas megachoperias elevou o consumo do carioca. Segundo Marcos Mesquita, presidente do Sindicerv (Sindicato da Indústria de Cerveja), o Rio de Janeiro é responsável pelo maior consumo per capita no Brasil, atingindo o total de 90 litros/ano, acima da média nacional, contra uma média que girava em torno de 49 litros na década de 1970 (BRISOLLA, 2006).
No século XX houve um crescimento constante da produção e do consumo das bebidas alcoólicas. Elas se multiplicaram através de diferentes marcas, gerando inclusive híbridos como o Ice, misturas de sucos de frutas ou de refrigerantes (de limão ou laranja) com bebidas destiladas (como vodka), cujo teor alcoólico é ligeiramente superior ao das cervejas, e cujo foco é o adolescente. Simultaneamente, a sociedade de consumo necessita colocar no mercado seus produtos. O Ice é um dos fortes patrocinadores do Big Brother, um programa que é líder de audiência entre os adolescentes brasileiros. De um modo geral, as bebidas alcoólicas ocupam lugar de destaque na publicidade, o que gera um círculo vicioso, pois leva o consumo também a se destacar.
No entanto, dependendo da época, dos costumes, e dos valores em jogo, o consumo do álcool, mesmo quando intenso, não chega a se constituir como problema. 



No Brasil, a propaganda de bebidas alcoólicas é regulamentada pelo CONAR (Conselho Nacional de Auto-regulamentação Publicitária), que as distingue em três categorias: bebidas destiladas, cervejas e vinhos, e bebidas ices (PINSKY & JUNDI, 2008). A propaganda da cerveja que tem um teor alcoólico 5% menor que o do vinho (12 a 14%) e da cachaça (40% a 45%) é liberada para o horário nobre da televisão, beneficiando-se da complacência da legislação brasileira. O problema, porém, além dos teores de álcool de qualquer bebida, são as doses que a pessoa ingere.
Segundo recentes pesquisas do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), “o consumo de cerveja triplicou no período de 1979 a 2000, passando da 41ª. posição na lista dos produtos mais vendidos, para a 4ª. posição” (LIMA, 2003:11). Ou seja, o Brasil tem um lugar de destaque mundial, sendo o quarto maior produtor e consumidor de cervejas do mundo (LIMA, 2007). O país produz mais de 10 bilhões de litros de cerveja por ano, além de ocupar o primeiro lugar na produção mundial da cachaça, alcançando uma produção em torno de 1,5 bilhão litro/ano. E, como essa produção deve ser comercializada, antes dirigido aos homens, agora o marketing anda mostrando interesse específico pela população feminina. Atualmente existem propagandas que focalizam mesas de bar constituídas somente por mulheres, que conversam enquanto consomem bebidas.




Para referência: Este texto é parte da tese de Doutorado, "Alcoolismo Feminino: Conhecer para Prevenir", defendida em 2006, no programa de Saúde da Criança e da Mulher, no Instituto Fernandes Figueira, FIOCRUZ/RJ