quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Perversão em Álbum de Família



__________________________Perversão em Álbum de Família

Elza Rocha Pinto

Nossa intenção neste texto não é, em hipótese alguma, realizar um estudo sistemático sobre o conceito de perversão. Muito menos confrontar posições, pois estaríamos nos desviando de nossa questão principal. O foco de nosso interesse se centra sobre a leitura de Álbum de Família. Como esta peça está crivada de fenômenos perversos, achamos melhor introduzir o conceito para melhor entendimento dos futuros textos. Não pretendemos, portanto, discutir o termo perversão. No entanto, entendemos que seria necessário fazer pelo menos uma apresentação esquemática de alguns conceitos chaves da linguagem psicanalítica sobre as perversões.  Ou seja, vamos tentar colocar os pontos principais sobre a teoria das perversões. Não pretendemos nos estender aos aspectos relacionado às suas diferenças. O fetichismo, o travestismo, o voyeurismo e o sado-masoquismo só serão tratados dentro desta perspectiva geral. Consideramos tais diferenciações fundamentais para a teoria psicanalítica, porém elas ultrapassariam amplamente nossa atual questão. Por isto, aqui, só vamos reter aquilo que se relacionar de um modo mais direto com o tema que nos ocupa. Em textos anteriores, já indicamos como as peças de Nelson produzem personagens densos, e ricos em emoções, de forma a permitir exemplificar todo o vasto terreno destes desvios.
Na análise que pretendemos fazer e publicar posteriormente, como recurso de interpretação, vamos lançar mão de algumas categorias psicanalíticas que poderão refletir melhor o caráter e o perfil psicológico dos personagens de Álbum de Família. Para tanto se faz necessário o exame de alguns dos conceitos freudianos sobre a) desenvolvimento da libido, b) sobre a perversão e c) sobre algumas de suas variações, como o sadismo e o masoquismo. O foco das perversões, e especificamente, do sadismo, fornece um excelente terreno sobre o qual fundamentar nossa análise da peça, uma vez que a crueldade é um dos temas favoritos de Nelson Rodrigues, sendo bastante recorrente entre seus personagens. Para confirmar esta suposição, ao examinar a peça Álbum de Família, devemos tornar claro o significado de alguns termos.
Álbum de Família é um berço de perversões. Esbarramos com elas praticamente a cada página. Porém achamos que a exposição que se segue será mais do que suficiente para enquadrar os personagens. A relação entre Jonas e Senhorinha,  personagens principais da peça, é nitidamente recortada no terreno das perversões, tingindo-se com um colorido sado-masoquista.
A priorização destas características, no entanto, não ignora o fato de que  Álbum de Família caiu no “excesso”, tanto ao gosto de Nelson Rodrigues. E isto vai nos permitir encontrar também personagens com características fetichistas, voyeuristas, exibicionistas. 
Para a análise que pretendemos realizar, importa, pois, a exposição da teoria geral sobre as perversões. Para isto vamos partir das considerações traçadas por Freud em seus Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade. Freud vai se referir às perversões em outros ensaios,[1] mas este livro pode ser considerado como o epicentro de sua teoria sobre a sexualidade. Tomando todo cuidado para não nos prolongarmos muito neste assunto, gostaríamos de lançar mão de outras contribuições.[2] À título de mera curiosidade, achamos que caberia também  desdobrar a questão da etimologia da palavra perversão, assim como apresentar uma breve história de como a perversão terminou por se estabelecer dentro dos domínios da medicina.



[1] Em 1919 Freud desenvolve pontos de vista sobre o masoquismo, em Uma criança é espancada; e volta a examinar esta temática em O problema econômico do masoquismo, em 1924. O homossexualismo é examinado em 1920, A psicogênese de um caso de homossexualidade numa mulher, e em 1922 com Alguns mecanismos neuróticos no ciúme, paranóida e homossexualidade. O Fetichismo é de 1927.
[2] Como a contribuição de O. Fenichel (s/d ), J. Chazaud (1973) e P. Valas (1990), entre outros. Além disto, gostaríamos de deixar aqui algumas indicações para futuras consultas. Na fase em que realizamos  uma revisão bibliográfica sobre a leitura psicanalítica de romances, poemas e peças, encontramos alguns títulos que se referiam especificamente à questão das perversões. Como por exemplo, The Sadomasochistic Homotext: Readings in Sade, Balzac, and Proust por Saylor, Douglas B, publicado em 1992, ou  como o artigo de Lee Edelman, Plasticity, paternity, perversity: Freud’s Falcon, Huston’s Freud, publicado em American Imago, em 1994. Estas e outras referências poderão ser encontradas relacionadas no texto Psicanálise e Arte - Levantamento Bibliográfico, neste blog.

Nenhum comentário: