quinta-feira, 9 de julho de 2009

A Entrevista de Orientação



A Entrevista de Orientação - Finalização do Processo de Psicodiagnóstico
   Texto escrito em 1992, como complementar ao curso Psicoterapia Infantil, lecionado na Oficina do Ser. Publicação eletrônica, através da Home Page Página Psi, no endereço Web http://www.lncc.br/elzamar/psypage, LNCC, fevereiro de 1996. E novamente publicado em 2011.



O processo de avaliação diagnóstica ocorre no início de boa parte das estratégias terapêuticas. E como muito bem define O' Campo e col. (1978), trata-se de um processo de curta duração, com objetivos bem definidos, através do qual o psicólogo, utilizando-se de métodos e técnicas específicas, e orientado por uma teoria escolhida previamente, vai avaliar aspectos da dinâmica individual e familiar de uma pessoa; esse processo ocorre sempre após uma demanda de orientação sobre problemas de ordem psicológica.
Para a adequada realização de um processo tão complexo quanto este, são necessários determinados conhecimentos. Em primeiro lugar é preciso um bom domínio de uma teoria de personalidade, a qual vai fornecer os fundamentos teóricos a partir do qual o psicólogo tentará compreender a pessoa. Além disto é preciso que sejam sólidos não somente seus conhecimentos sobre desenvolvimento e psicopatologia, como também sobre os recursos técnicos, métodos, instrumentos e estratégias que a psicologia pode oferecer, no sentido de facilitar uma melhor compreensão sobre a personalidade.
Mira y Lopez (1969), ao comentar os problemas de diversos tipos relacionados ao desenvolvimento das crianças refere-se à necessidade de um diagnóstico etiopatogênico preciso, que possa levar a um adequado plano de tratamento e a um programa pedagógico eficaz.
São inúmeros os problemas que podem surgir vinculados a este processo. De imediato lembramos a necessidade de que a avaliação diagnóstica se fundamente em uma abordagem dinâmica e multidimensional da personalidade.[1] Isto significa supor que todas as afirmações diagnósticas precisam estar contextualizadas socialmente, além de permitir uma clara compreensão sobre as possibilidades de mudanças futuras. Esta perspectiva assume, por um lado, que as causas de um determinado problema devem se inserir em diversas ordens (culturais, institucionais, familiares, genéticas, etc.); por outro lado exige que se mantenha como meta tornar claro, para todos os envolvidos neste processo, a importância do conceito de transitoriedade do diagnóstico. Isto permite uma postura mais clara contra a medicalização e estigmatização, fáceis de ocorrer quando se parte de outros fundamentos teóricos.[2] 
No entanto, escapando de áreas mais polêmicas, vamos procurar manter os limites de um texto didático. Para isto organizamos uma síntese das principais etapas já tão bem desenvolvidas por outros autores como Arminda Aberastury (1969) ou Maria Luiza O' Campo (1978). Porém, numa   homenagem singela ao professor Mira y Lopez, pessoa que tanto  contribuiu no sentido do desdobramento das técnicas de avaliação, escolhemos destacar o uso dos testes como instrumentos complementares ao processo do psicodiagnóstico.

2. Definição e Objetivos do Psicodiagnóstico
Na área clínica, a utilidade da avaliação diagnóstica mostra todo seu valor no que diz respeito ao atendimento infantil. Nem sempre é a criança ou o adolescente que precisa de atendimento. Como diz Manoni (1971), a criança é um sintoma dos pais;[3] ou então usando a designação do Pichon-Rivière (1986), a criança (e podemos perfeitamente falar dos adolescentes também) é o bode expiatório da família; ela adoece porque o grupo nela deposita maciçamente suas próprias partes doentes. E assim ela passa a ser o porta-voz do grupo familiar.
A sociedade confere à criança um estatuto, porque o encarrega, por sua vez, de realizar o futuro do adulto: a criança tem por missão reparar o malogro dos pais, realizar-lhes os sonhos perdidos.[4]
Normalmente não é  a criança quem procura o psicólogo; ela em geral pouco sabe de sua situação; quando muito sabe que sofre e, algumas vezes, nem isto. Em geral são os pais (ou responsáveis) que procuram o auxílio. Em grande parte encaminhados por outro profissional da área de saúde mental, ou então pela escola. Isto porque muitas vezes os pais não se dão conta das condições emocionais desfavoráveis de seus filhos, e nem que existem problemas. Outras vezes os pais percebem claramente que estão vivendo uma situação emocional extremamente desconfortável e dolorosa, mas não sabem o que fazer, nem como agir para modificar aquela situação. Sentem-se muitas vezes angustiados, deprimidos, e desvalorizados enquanto pais. Sofrem, com o sofrimento dos filhos.  Nestas ocasiões pode acontecer que um profissional (médico, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, professor, orientador educacional, etc.), ao lidar diretamente com a criança, tenha seu olhar sensibilizado pelo sofrimento de seu pequeno paciente. Este profissional pode procurar mostrar aos pais a necessidade de uma avaliação psicológica mais profunda. E assim ele procura encaminhar os pais para um psicólogo, que vai então realizar o psicodiagnóstico, para verificar que medidas podem e devem ser tomadas.
Neste momento a responsabilidade do psicólogo se impõe, pois muitas vezes atuando fora de uma equipe multidisciplinar, a ele cabe a decisão sobre a orientação terapêutica a ser dada. Por isto é necessário um exame detalhado e aprofundado, o mais completo possível, para que o grupo familiar possa receber informações sobre a melhor estratégia terapêutica, ou seja, aquela baseada em uma correta visão sobre a dinâmica da situação familiar.
Apesar do psicodiagnóstico poder se aplicar a qualquer pessoa, este processo, tal como será apresentado aqui, é desenvolvido normalmente nos limites da faixa etária que se inicia na infância, passa pela puberdade e termina na adolescência. Exceção feita para casos bem particulares, o diagnóstico do adulto não atravessa as mesmas fases. O adulto - mesmo o adulto jovem - ao procurar uma ajuda já não tem dúvidas sobre a necessidade daquele atendimento. Além disto, diferente da criança, ele verbaliza bem suas angústias e aflições, além de ter um melhor juízo crítico para enfatizar, em seu relato ao terapeuta, aqueles acontecimentos que julga serem importantes na instalação de seu sintoma.[CG1] [5]
Então, o que vem a ser esta avaliação da qual estamos falando? Como Maria Luiza O’Campo (1978) mostra tão bem em seu livro O processo psicodiagnóstico e as técnicas projetivas, o psicodiagnóstico é um processo marcado por um contrato de duração temporária, contrato este que se faz entre o paciente (indivíduo adulto, grupo familiar, pais e criança, casal, etc.) e o psicólogo, onde o paciente pede ajuda para um problema determinado, e onde o psicólogo se compromete a dar, uma vez que possa tomar conhecimento da dinâmica daquele paciente em suas interações com seu meio. Para isto o psicólogo vai lançar mão de vários recursos: entrevistas de anamnese, contato com profissionais responsáveis, observação livre da criança dentro da própria situação familiar, entrevistas de sessão livre, entrevistas para a aplicação de testes, entrevistas de devolução, entrevistas de orientação final.
Esse processo tem duração variável, pois o número de sessões depende de cada caso a ser examinado. No entanto podemos imaginar a média das sessões varia entre seis a oito sessões, realizadas em um período que poderá durar de uma semana a um mês, dependendo do caso e do profissional. Existem atendimentos que são muito simples. Desde o início já se pode ter uma noção muito clara do tipo de comprometimento do paciente. Nestes casos algumas poucas entrevistas são suficientes para que a hipótese diagnóstica possa ser verificada. Porém existem casos de difícil compreensão; casos em que o diagnóstico diferencial é bem mais complicado. Por exemplo, nem sempre é fácil diferenciar claramente entre uma criança autista e uma outra que apresente deficiência mental. É aqui que a avaliação do psicólogo se torna tremendamente importante visto que muitas vezes o destino do paciente vai depender  inteiramente de sua opinião.
A seguir vamos descrever sucintamente o final do processo de avaliação, quando é necessário realizar uma entrevista de orientação.

Algumas vezes durante o transcurso de uma avaliação psicológica fica claro que os pais necessitam de uma breve orientação sobre sua forma de lidar com os filhos. Outras vezes a escola demanda uma orientação sobre o aluno em questão; alguns professores podem necessitar de apoio para tentarem novas abordagens pedagógicas. Ou então alguns pais podem necessitar maiores esclarecimentos sobre o desenvolvimento emocional de seus filhos, sobre os motivos subjacentes que determinam certos comportamentos e atitudes, sobre os efeitos que alguns comentários seus poderão ter sobre a vida anímica de seus filhos, ou sobre a sexualidade de seus filhos. Estas situações vão precisar de uma atenção por parte do psicólogo, e acabam se tornando uma espécie de complemento do processo psicodiagnóstico.
Esta ultima etapa, que é circunstancial e opcional, caracteriza-se por ser uma fase de curta duração. Pode percorrer algumas sessões,[6] porém sem chegar a se constituir em um acompanhamento de pais, ou sem se prolongar em um atendimento psicoterapêutico.
Esta finalização pode ocorrer naqueles casos de desajustes em função de circunstâncias ambientais e passageiras, onde a estrutura psíquica da criança não se acha muito comprometida, e onde os pais e/ou professores sejam pessoas receptivas, que apresentam uma personalidade equilibrada. Em geral tratam-se de processos de avaliação diagnóstica nos quais não houve necessidade de indicações terapêuticas nem para a criança, nem para os pais. Estes casos são fechados com a recomendação de uma reavaliação psicológica dentro de algum tempo, como uma forma de follow-up.




[1] A personalidade apresenta aspectos estruturais mais estáveis, porém submetidos a uma constante modificação. Por vezes tais mudanças podem até ser imperceptíveis. Porém quem faz o diagnóstico precisa ter clara esta noção, para poder realizar intervenções modificadoras junto não apenas às famílias, como também às instituições que vão ser cenários para algumas atividades relacionadas à criança e ao adolescente.
[2] Infelizmente o espaço não é suficiente para uma ampla reflexão sobre tais problemas. Enquanto deixamos o aprofundamento de alguns assuntos para outra ocasião, remetemos o leitor ao texto de Roberto Moraes Salazar, O Laudo Psicológico e a Classe Social.
[3]  “O discurso que se processa engloba os pais, a criança, o analista: é um discurso coletivo que se constitui em torno do sintoma apresentado pela criança”. Maud Mannoni,  A criança, sua "doença” e os outros, p. 9.
[4] Op. cit., p.  9.
[5] Não estamos desconhecendo aqui as causas inconscientes, mas apenas reconhecendo a importância de situações e eventos traumáticos que podem ser conscientes.


 [6] De três a dez entrevistas, no máximo.
 

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